Homens gays há muito tempo são taxados de serem defeituosos. Não são “homens de verdade”; talvez até (terror e pânico) parecidos com as mulheres. Mas homens gays são apenas homens comuns, como todo o resto. Eles são apenas atraídos por outros homens. Desde antes de qualquer tipo de pesquisa social com homens homossexuais existisse, nós temos evidências de que homens gays sempre estiveram entre nós.
Homens que se sentem atraídos por mulheres geralmente temem agir supostamente como “homens gays”, e como entendemos atualmente, da mesma forma como temem supostamente “agir como mulheres”. Que os homens são socializados para não demonstrarem o que podem ser considerados como aspectos “femininos” de uma personalidade humana normal, não significa nada além de que seres humanos gostam de pertencer a grupos e não se destacar demais. Homens gays não são especiais. Eles não são melhores, nem piores, nem mais gentis ou mais perigosos que qualquer outro grupo de homens. Eles são apenas homens que se atraem por outros homens.
Mas esse aspecto de ser atraído por outros homens, por si só, já causa pânico em muita gente. Eles se preocupam porque, lá fundo, eles sabem como os homens agem com pessoas por quem eles professam seu interesse romântico, e eles temem pelos homens e os garotos que eles conhecem, ou até eles mesmos, se forem heterossexuais.
O motivo de pessoas entrarem em pânico com relação à existência de homens gays é porque eles sabem como homens são socializados, e eles temem que socialização masculina “normal” seja direcionada a alvos menos adequados: homens e meninos.
Isso é homofobia básica, e ela nasce de uma premissa misógina que diz que o alvo certo para a agressão masculina (supostamente romântica) é uma mulher ou uma menina. Essa homofobia é prova de que as pessoas sabem que as reclamações das mulheres sobre o assédio masculino são legítimas, que nossos medos da violência masculina são verdadeiros, mas eles nos querem lidando com isso de qualquer forma, porque tolerar a violência masculina é para o que eles pensam que mulheres e garotas foram feitas.
Toda vez que se vê um pânico homofóbico entre homens que não se importam com a segurança de mulheres e meninas da violência masculina, o que se vê é como esses homens revelam que na verdade eles pensam que mulheres e garotas merecem esses tratamentos.
Uma prova fácil são as atitudes ocidentais sobre temas como “casamento infantil” nos nossos países, tanto historicamente quanto no presente, e o tratamento dado aos homens que violam garotas ao invés de garotos.
Por exemplo, quantas vezes você ouviu uma figura histórica masculina ser considerado um “pederasta” por explorar sexualmente garotos que, se fossem garotas, o homem adulto poderia simplesmente se casar com ela e a explorar diariamente sob as bênçãos da lei? Provavelmente você já viu essa história pelo menos uma vez.
Quantas vezes, se você estudou um pouco que seja de história européia, você ouviu histórias sobre as crianças da aristocracia ou da realeza que nasceram de mães que se casaram tão cedo que, se elas fossem meninos, o homem adulto que as violou figuraria em nossa mente como um criminoso singularmente perverso? Homens héteros não receberam a reputação de “pedófilos” baseado nessas práticas, na verdade, elas passam quase despercebidas.
Você ficou horrorizado com a idade que Anthony Rapp tinha — apenas 14 anos quando Kevin Spacey supostamente avançou de forma inapropriada para cima dele?
Considere se você teria se horrorizado se Kevin Spacey, ou qualquer outro homem, pudesse simplesmente casar com uma garota de 14 anos em mais da metade dos estados americanos, se os pais dela fossem persuadidos a concordar. Existem países como a Tanzania, em que em algumas áreas, garotas de 9 a 12 anos podem ser raptadas ou levadas forçosamente a se tornarem esposas por um pagamento de sobrevivência à seus pais. Mas se você pode chamar essa situação de socialmente deturpada, o que você diria sobre os casamentos forçados de menores de idade que ainda são permitidos nos EUA? O que deveríamos pensar sobre a persistência do culto da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo de Warren Jeff (FLDS)?
Agora que casamentos entre pessoas do mesmo sexo estão legalizados em todos os 50 estados, o campo de batalha se tornou teoricamente igualitário. Mas o perfil dos pais que são mais aptos a concordar com casamentos das filhas menores de idade, não tem a tradição de casar seus filhos jovens com homens mais velhos, o que seria tão ruim quanto, mas improvável de acontecer.
Kevin Spacey foi acusado de ter assediado sexualmente um garoto. A história não tinha nem um dia ainda, quando seu Emmy de 2017 foi revogado, e a Netflix se apressou em anunciar que a sua série popular House of Cards seria cancelada após a próxima temporada. É bom que as pessoas tenham acreditado na vítima e tomado sua palavra de forma séria, uma vez que outros garotos jovens que fizeram acusações semelhantes no passado não foram levados à sério.
Mas há algo que me incomoda nessa história. Woody Allen e Roman Polanski ainda possuem suas carreiras após acusações bem mais sérias. No caso de Polanski, ele foi condenado por estuprar uma menor de idade. Seus filmes ainda são considerados mais importantes que sua tortura de pelo menos uma garota. R. Kelly ainda tem uma carreira porque ele escolheu uma garota negra como presa — vítimas por quem poucas pessoas se importam ou acreditam.
A maioria dos homens poderosos, mesmo que as campanhas como a #MeToo continue a revelar o triste lugar comum do abuso de mulheres pelos homens, parece precisar que dúzias de mulheres os acusem antes que haja uma mísera chance de suas carreiras serem afetadas. A carreira de Kevin Spacey parece ter levado um fim abrupto pelas palavras de um homem. Essa diferente taxa de valor dada ao testemunho de homens e mulheres é pior do que é formalmente designado pela Sharia, a lei Islâmica, que dá ao testemunho das mulheres a metade do valor das palavras de um homem.
Bill Cosby teve que ser acusado por 35 mulheres para que a mídia finalmente o considerasse uma pessoa perigosa. A matemática diz que as palavras de cada uma dessas 35 mulheres terminaram valendo 2.8% do testemunho de Cosby, que dizia que o homem mantém sua inocência. Eu não sou a favor do estabelecimento de nenhuma lei religiosa, mas podemos achar curioso como um sistema de igualdade formal pode resultar nas palavras das mulheres valendo efetivamente um décimo do valor que elas valeriam em outro sistema que formaliza a desigualdade.
Por que a palavra de uma única mulher dizendo que foi estuprada não é o suficiente para julgar um homem hétero, mas assédio pode ser o suficiente para julgar um homem se ele for gay?
O medo de retrocessos dentro da comunidade LGB, baseado na decisão de Spacey de se assumir justamente nesse momento em que parece uma forma de desviar da história, é fortemente baseado na experiência. Apenas porque homens héteros olham para si mesmos, e são vistos pela maioria, como melhor ou mais segura companhia do que homens gays ou bissexuais. Isso acontece porque os crimes cometidos por homens héteros contra crianças são naturalizados e a inocência de uma menina é vista como um prêmio para homens, ao invés da confiança que ela deposita em cada adulto.
Eu imagino que existam vários homens héteros que assistem a filmes “quase ilegais” de exploração sexual, que sexualizam imagens de garotas em desenhos, que encaram prontamente o corpo de garotas jovens em público ou que as assediam nas ruas, e que agora estão enojados com a história de Spacey, porque eles se vêem como esses jovens homens e essa história poderia ter acontecido com eles. É óbvio que eles não estendem essa empatia às garotas que eles incomodam — nenhum horror similar às suas próprias fetichizações de garotas menores de idade.
Mas homens héteros não são especiais nem melhores que homens gays. Do mesmo jeito que homens brancos nascidos nos EUA não são nada melhores do que homens americanos negros, ou imigrantes. Todos eles são homens, como todo o resto, e eles são criados para acreditar que é direito deles dominar os outros. Todos são encorajados a abordar relacionamentos românticos procurando inferiores para impressionar, mais do que companheiros para crescer junto, e é um testemunho da decência humana que muitos deles resistem a ir nessa direção.
No fim das contas, o caso de Spacey não é mais surpreendente do que o caso de Polanski. Não deveria ser. Homens são assim com muita frequência. Nenhum deles é especial.
Tradução do texto de Natacha Chart para o Feminist Current