mulheres cubanas
feminismo

Histórico de conquistas e problemas ainda não solucionados

Bandeira cubana e Tamara Bunke, em Santa Clara

CONQUISTAS DAS MULHERES EM CUBA

Desde a Revolução de 1959, as mulheres cubanas tiveram melhorias em suas vidas, especialmente devido à participação na vida pública. Muitos esforços foram feitos no sentido de diminuir a desigualdade social como um todo, de modo que as mulheres passaram a trabalhar mais fora de casa, a serem donas de negócios locais e ter uma participação política, praticamente inexistente antes.

Em 1960, foi criada a Federação das Mulheres Cubanas (FMC), presidida pela revolucionária Vilma Espín, para unificar a militância política feminina, incluindo a promoção de igualdade entre a mulher camponesa e a mulher citadina. Também o analfabetismo foi erradicado e foram criadas creches, para que as mulheres mães pudessem trabalhar, chamadas de Círculos Infantis. Até hoje a FMC é a entidade que organiza ações de e para mulheres cubanas.

Comitê Provincial da FMC, em Sancti Spiritus

Cuba ocupa o 23° lugar no ranking global de desigualdade de gênero organizado pelo Fórum Econômico Mundial, o que é um feito considerável para um país latino-americano. Para se ter uma ideia, o Brasil ocupa a 95a posição. O índice mede o oferecimento de oportunidades a mulheres na economia, na política e na educação e a participação feminina nessas instâncias, bem como a saúde e a expectativa de vida. O dado que puxa Cuba pra cima é o mesmo que empurra o Brasil pra baixo: o poder político. Mais da metade do parlamento cubano hoje é composto por mulheres.

Outra conquista importante foi a legalização do aborto. Cuba foi o primeiro país da América Latina a legalizar o aborto sem restrições, em 1965. Demorou quase 50 anos para outro país da região dar esse direito às mulheres: o Uruguai, em 2012.

Por fim, a segurança pública em Cuba é notável. As pessoas (incluindo mulheres e crianças) não têm medo de andar na rua e de ficar até tarde e sozinhas pelos espaços públicos. E não é só uma sensação de segurança dada talvez pela falta de noticiários alarmistas, os dados realmente mostram que a violência em locais públicos em Cuba é mínima.

Então, por que, mesmo com todo esse esforço governamental e os avanços conquistados pelas cubanas, as mulheres seguem sofrendo assédio sexual e continuam sendo as responsáveis por cuidar da casa e da família?

Muro pintado, em Cienfuegos

MACHISMO EM CUBA

Não pretendo aqui responder à questão anterior, mesmo porque não há uma resposta tão assertiva, mas gostaria de levantar alguns questionamentos. O fato é que o machismo existe em Cuba. Ele está presente nos espaços domésticos e nos espaços públicos.

É claro que entendo como é dificílimo desfazer séculos de colonização misógina, mas também é verdade que os esforços governamentais para inserção das mulheres sempre se concentraram em questões econômicas. O entendimento de que existe um sistema específico de opressão feminina dentro da sociedade não foi o principal guia de formulação de políticas públicas.

Inclusive, a própria publicação editada pela FMC, a revista Mujeres, de forma geral não traz artigos sobre problemas ocasionados pelo gênero, nem noções sobre o patriarcado ou sobre o movimento pela libertação das mulheres.

Editorial de la Mujer, em Havana

Eu estava apenas há alguns minutos em Cuba, quando passei por um outdoor de campanha sobre a violência contra a mulher, no caminho do aeroporto para a cidade. Comentei com minhas irmãs, que me acompanhavam na viagem, o motorista do táxi percebeu e nos disse que não havia violência contra a mulher em Cuba. Aliás, é muito comum que cubanos e cubanas neguem que existe machismo na ilha ou, quando reconhecem, digam que esse é um problema menor e o foco das lutas deve ser outro ou que esse tipo de coisa sempre existiu e continuará existindo e não tem como mudar.

No entanto, não foi preciso um conhecimento muito profundo das relações sociais em Cuba para perceber que o patriarcado ainda se faz presente ali. O assédio sexual nas ruas é muito presente, o que deixa evidente, de imediato, para qualquer mulher que coloque os pés na ilha, que a revolução não superou o machismo. É também perceptível que os papéis sexuais continuam bem estabelecidos, sendo que o trabalho reprodutivo continua sendo visto como trabalho feminino. Além disso, dentro do próprio território cubano, o índice de desigualdade é diferente, a desigualdade social provocada pela hierarquia entre os sexos vai ampliando conforme se caminha para o leste, segundo o estudo “Índice de Desigualdad de Género en Cuba: Un Enfoque Territorial”.

O patriarcado não foi levado em conta na revolução. Podemos dar como exemplo a questão da prostituição em Cuba, que conheceu números gigantescos no período pré-revolucionário e que, a partir de então, decaiu bastante, visto que começaram campanhas de inserção das mulheres prostituídas no mercado de trabalho formal. A queda perdurou até a crise da década de 1990 e a abertura ao turismo, quando novamente mulheres cubanas passaram a ser vítimas de proxenetas. Por que num momento de crise, mulheres passam facilmente a ser enxergadas como objetos novamente? Talvez porque nunca deixaram de ser.

Só recentemente o governo tem admitido que há violência específica contra as mulheres em Cuba. Em 2019, pela primeira vez, um relatório oficial cubano relatou a presença de feminicídios no país. Ainda são poucas as fontes que relatam abuso sexual, mas é possível encontrar algumas locais, e bem recentes, que mostram realidades parecidas com a maioria de outros países: meninas são as grandes vítimas, e conhecidos são os grandes algozes, notadamente padrastos e vizinhos.

A Cuba revolucionária tem tentado de fato diminuir a desigualdade social entre homens e mulheres, mas o que se percebe é que apenas mudar o modo de produção não destrói sozinho séculos de socialização patriarcal (e racista, aliás). O patriarcado é anterior ao capitalismo e pode muito bem sobreviver a ele, caso não tenhamos em mente que se precisa de políticas específicas nessa área.

Também é claro que existe a questão de quanto Cuba consegue realmente rechaçar o capitalismo sendo um país de economia dependente e agroexportadora, mas o fato é que a revolução não resolveu o problema do machismo.

Quando dizemos coisas do tipo, somos acusadas frequentemente de estar dividindo a classe trabalhadora, mas existe um abismo entre o homem proletário e a mulher proletária, sendo essa explorada também por razão de sexo. O homem proletário explora mulheres no trabalho reprodutivo, seja doméstico ou de exploração sexual, e com muita frequência. Já existe essa divisão, não somos nós que estamos colocando. Se a esquerda que se pretende revolucionária não entender isso, não será possível que mulheres sejam libertadas com o fim do capitalismo pura e simplesmente. Se nos querem como aliadas, terão que incluir políticas feministas radicais em suas agendas.

Mulheres caminhando, em Santiago de Cuba

Fontes:

BORREGO, Arelys Esquenazi; VÁZQUEZ, Susset Rosales. Índice de Desigualdad de Género en Cuba: Un Enfoque Territorial. Anais do 5º Encontro Internacional de Política Social e 12º Encontro Nacional de Política Social, 2017.
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. The Global Gender Gap Report. Genebra, 2018.
GÓMEZ GUERRA, Lisandra. Trampas a la inocencia. Juventud Rebelde, 22 de outubro de 2019.
GUTIERREZ, Estrella. Feminicidio en Cuba: primeras cifras oficiales. Periodistas em español, 4 de junho de 2019.
PAIXÃO, Mayara. Em Cuba, a luta das mulheres é um dos pilares de resistência e continuidade da revolução. Brasil de Fato: Havana, 2019.
WATSON, Berta Irailis Yanes. La Federación de Mujeres Cubanas y su labor dentro de la sociedad para evitar desigualdad de género em Cuba. 3er congreso internacional sobre Desigualdad Social, Educativa y Precarización en el Siglo XXI, 2018.