A triste verdade sobre a
Cena de "The Nest"

O Dan e a Emily vão ter um bebê. Mas a Emily não está grávida. A Kaya está. Depois de anos tentando ter um bebê, Dan e a Emily decidiram tentar a sub-rogação de útero e estão a pagando à uma menina de 18 anos 50 mil libras pelo uso de seu útero.

Não é a vida real, mas poderia ser. É essa a premissa contida em “O Ninho” (‘The Nest’ no original), um drama emocionante que acabou na semana passada. A trama tem mais reviravoltas do que uma aula de Zumba, envolvendo assassinato, testes de DNA, identidades alteradas e tráfico de drogas — tudo desenrolado pelo desejo do casal de ter o “seu próprio” bebê. Há uma ilegalidade considerável, para além da moralidade duvidosa do enredo da sub-rogação de útero, mas tudo é bem resolvido nos últimos 10 minutos, com Dan e Emily perdoados por todo o seu comportamento abusivo, lhes é entregue um bebê balbuciando e rolam os créditos.

Então, todos ganham. Não é mesmo? Um casal sem filhos fica com o bebê pelo qual ansiavam. Uma pobre mulher recebe um auxílio financeiro. E o bebê crescerá amado.

Me poupem.

“O Ninho” é um drama sensacional. Atuado brilhantemente, cheio de suspense. Mas pouco nos diz sobre as realidades agonizantes da “barriga de aluguel”. Quando muito, isso era somado ao problema.

O problema é que, no núcleo do drama, está uma verdade alarmante: a normalização crescente da sub-rogação de útero comercial na Grã-Bretanha. Um debate do governo do Reino Unido está revendo as leis atuais. Alguns ativistas argumentam que a sub-rogação de útero comercial, que é atualmente ilegal, deve ser permitida no Reino Unido. Isso nos aproximaria de um lugar como a Califórnia, onde terceirizar sua gravidez é tão padrão quanto pagar a alguém para cortar sua grama.

Atualmente na Grã-Bretanha, uma mãe sub-rogada pode ganhar £15.000 em despesas. Mas em “O Ninho”, o casal decide pagar o montante muito mais elevado exigido pela jovem — o que muitos casais fazem, independentemente das disposições legais.

Há muito tempo que me preocupo com os danos da “barriga de aluguel”, tal como a OMS e muitas instituições de caridade para crianças, que têm uma visão contra a comercialização do parto. E eu viajei muito para falar com as mães sub-rogadas, médicos e outros que lucram na indústria da fertilidade (‘Big Fertility’ no original), assim como com os “pais que comissionam”. É uma indústria que ganha muito dinheiro: em 2012, valia cerca de 4,7 bilhões de libras por ano em todo o mundo. E está crescendo.

Em 2016, visitei Gujarat na Índia, conhecida como “fábrica de bebês” porque é o local de quase metade do mercado de “barriga de aluguel” da Índia. Eu visitei cinco clínicas e nunca ninguém mencionou a minha idade (54: Eu não sou nenhuma novinha) nem fizeram qualquer verificação de antecedentes. Mas todos estavam dispostos a fechar negócio comigo.

Se eu tivesse ido em frente, o processo teria me custado algo na casa dos £20,000. A mãe sub-rogada receberia aproximadamente £4.000, mas se ela precisasse de tratamento médico ou supervisão clínica, os custos seriam deduzidos do pagamento dela. Os óvulos, entretanto, teriam sido coletados de uma jovem branca que precisava do dinheiro. Um “pacote” de FIV (fertilização in vitro) e de “doação” de óvulos custa cerca de 7.000 libras na Ucrânia, onde tem o custo mais barato da Europa. Mas conheci casais gays britânicos que pagaram cerca de 200 mil libras nos EUA por serviços de sub-rogação de útero.

A Índia, porém, de acordo com pesquisas da acadêmica Sheela Saravanan, foi o mais importante destino internacional global de sub-rogação de útero até que os estrangeiros foram banidos da indústria em setembro de 2015. No entanto, eles ainda conseguem funcionar, fornecendo úteros para alugar a qualquer casal estrangeiro se um deles é “uma pessoa de ascendência indiana”, não importa de onde eles são.

Esta é uma indústria profundamente perturbadora e destrutiva. Como a pesquisa de Saravanan detalhe: graves violações dos Direitos Humanos ocorrem no mercado de “barriga de aluguel”: as mulheres são mantidas em albergues com outras mães sub-rogadas, muitas vezes dormindo várias em um quarto, e as dizem o quê e quando elas podem comer e beber. Muitas são submetidas a abortos ilegais devido ao sexo do bebê. As mulheres são obrigadas a assinar um contrato — a grande maioria não sabe ler — concordando em entregar o bebê no parto. Quase todas as mães sub-rogadas no estudo descreveram a prática como uma forma de escravidão.

Mães sub-rogadas na Índia

Sim, eu sei o que você está pensando: “a Índia é um exemplo extremo porque as mulheres são pobres e analfabetas.” Mas é a mesma história em no mundo todo. Já ouvi mulheres dizendo isso. Mulheres como a Gloria, dos EUA. A mãe de dois filhos, branca e formada na universidade, com moradia em São Francisco, planejava começar seu próprio negócio fazendo Contabilidade de casa para resolver sua questão com pagamento de creche. Mas o banco recusou-lhe um empréstimo por causa de seu estado de mãe solo. Ao ver uma propaganda para sub-rogação de útero em uma rede social, a Gloria decidiu oferecer os seus serviços à clínica.

“Desde o início, fui tratada como sub-humano”, diz Gloria. “Eu não fui informado pela clínica ou pelos [pais que comissionaram] que eles implantaram dois embriões para ter uma melhor chance de um deles vingar, então eu acabei grávida de gêmeos, e me disseram que eu tinha que abortar um. Foi horrível.”

A Gloria, tal como a grande maioria das mães sub-rogadas, deu à luz por cesariana uma semana antes da data estipulada. “Eles queriam o bebê mais cedo porque era mais conveniente terminar o parto antes de ele começar seu novo trabalho”, diz Gloria. “Enquanto eu entregava [o bebê] ela me perguntou se eu me importaria de dar um pouco do leite do meu peito para que ela não tivesse que comprar “NAN” (leite em pó para lactentes) até que sua encomenda congelada chegasse do exterior. Foi uma barbárie. Me arrependo de ter visto aquele anúncio.”

Nicola Taylor, escritora e diretora de “O Ninho”, me disse que ela também sente uma sensação de conflito em torno da sub-rogação de útero comercial. “Obviamente pode haver problemas com a sub-rogação de útero solidária também, mas a série é especificamente sobre um pacto entre duas mulheres que juntam as esperanças de cura e de ajuda com um pagamento em dinheiro.”

Muitos, incluindo Taylor, argumentariam que a “barriga de aluguel solidária” — quando uma irmã, digamos, ou uma amiga gesta o bebê — é em grande parte sem problemas. Infelizmente, a maioria dos mãe sub-rogadas “altruístas” com quem falei expressaram amargo arrependimento; a dor de entregar o bebê tinha sido insuportável. Uma mulher me contou como ela foi posta de lado, e fizeram com que se sentisse nada além de um recipiente, e se preocupa em como a criança vai se sentir quando descobrir suas origens.

Enquanto isso, a tendência crescente da “barriga de aluguel” está sendo dado um novo visual de respeitabilidade por casais gays. O seu direito deles de ter filhos através da sub-rogação de útero é cada vez mais visto como um avanço para a igualdade, e um triunfo da tolerância sobre o preconceito. Homens gays muitas vezes afirmam que negar-lhes este direito é semelhante à homofobia. Como sou lésbica, seria difícil me uma acusar de homofobia; no entanto, fui acusada de intolerância em minhas tentativas de expor esta tendência como uma abusiva mercantilização de mulheres. Sou decididamente a favor da criação de crianças por pessoas do mesmo sexo, mas estou irritada por a minha comunidade estar atualmente liderando o caminho para destigmatizar uma prática profundamente antiética.

Não é uma ironia sutil que, à medida que a sub-rogação de útero comercial se torna cada vez mais tendência, e como homens famosos — Tom Daley, Elton John e Yotam Ottolenghi, por exemplo — usam a sua riqueza para alugar o útero das mulheres, as autoridades de bem-estar infantil estão lutando para encontrar pais adotivos ou padrinhos para aqueles tantos milhares de crianças em cuidados de abrigos. Não há tabloides falando desses bebês indesejados.

A atitude de alguns em relação à “barriga de aluguel” é reveladora. Em um artigo de Ottolenghi para o Guardian, o chef descreve como ele recebeu uma chamada da clínica em Los Angeles perguntando “quantos” óvulos eles queriam que fossem implantados na mãe sub-rogada. “Implantando dois ou três óvulos aumenta a probabilidade de gravidez, mas também de um nascimento de mais um bebê”, escreve Ottolenghi. “Então decidimos apenas um. Mas os nossas tentativas fracassadas anteriormente me fizeram entrar em pânico. Liguei para Karl e disse: “Foda-se, vamos pôr dois.’”

O chef Yotam Ottolenghi

Os que apoiam do comércio de sub-rogação de útero — os profissionais de saúde que vêm os cifrões, bem como os casais inférteis ricos que podem facilmente se dar ao luxo de comprar um bebê — argumentariam que as mulheres são bem pagas pelo seu “serviço” e, portanto, não são exploradas. Essencialmente, dizem que é direito de uma mulher usar o seu corpo como local de trabalho — como uma espécie de máquina de venda automática. A sua retórica é exatamente a mesma usada pelos que fazem apologia pró-prostituição. “Se uma mulher faz essa escolha, quem é você para dizer que ela não deveria fazer?”

Mas, na minha opinião, toda a “barriga de aluguel”, incluindo o tipo altruísta, é exploração. Estas mulheres são vistas como nada mais do que um útero ambulante, cujas necessidades humanas serão ignoradas a favor dos que “comissionam”, que são os donos do bebê que ela está gerando.

E este é o meu problema com “O Ninho”. É verdade que a série enfatiza a idade e o desespero de Kaya, mas não aborda as razões pelas quais a sub-rogação de útero foi destigmatizada até o ponto em que, para alguns, alugar um útero é visto como não mais problemático do que contratar uma babá.

Não examina as razões pelas quais a sub-rogação de útero comercial está se tornando cada vez mais uma possibilidade no Reino Unido, e nem mostra o processo desumano que é. Também não tenta desvirtuar devidamente as implicações éticas de uma prática em que uma pessoa que carrega uma criança por outra pessoa é vista como um trabalho como qualquer outro. Receio que “O Ninho” não vá ajudar o espectador a ver a realidade sombria deste comércio vil.


Por Julie Bindel — traduzido do UnHeard