Eu tinha um pouco de receio, devo admitir, de que eu estivesse fazendo essa coisa de ser mulher toda errada. A minha vida inteira eu não peguei o jeito. Há muitas coisas pelas quais se espera que as mulheres se interessem: compras, programas de culinária, filmes nos quais outras mulheres são torturadas. Idem: casamentos, namorar, chás de bebê, fofocas de celebridade sobre torsos enquanto se torce a boca em desaprovação. E isso só pra começar.

Mas eu não deveria ter me preocupado por que as Nações Unidas elaboraram um novo slogan e twittaram “não há jeito errado de ser mulher. Não há jeito errado de ser mulher”. Disseram isso sete vezes, na verdade, mas não quero que você desmaie de tédio. Talvez se você entoar essa frase como num cântico você alcance o nirvana ou talvez mulheres sejam são grosseiras que precisam que lhes digam de novo e de novo.

A forma certa de reagir a esse mantra ridículo é certamente sentir vontade de matar alguém. Qual o intuito desse slogan? Pra quem ele é? Essas tentativas infinitas de inclusão significam que ser uma mulher agora pode inclusive ser um sentimento na cabeça de um homem. Eddie Izzard[1], pelo que vi outro dia, foi votado a melhor comediante mulher. Desculpe, mas eu não estou rindo.

Não há forma errada de se ser mulher. Eles estão falando sério? Deixe-me listar as formas. Eu e muitas mulheres vivemos com elas todos os dias.

Uma das formas é viver com medo. Uma mulher é assassinada a cada três dias [no Reino Unido] — um número que aumentou muito na quarentena. Ser velha também é visto por muitas pessoas como a forma errada de se ser mulher. Outra forma é querer sexo. Ou não querer de jeito nenhum. Ambas essas coisas podem ser consideradas como “problemáticas”. Também é errado reclamar sobre ter crianças porque você não precisava tê-las tido, apesar de que fazer um aborto também teria te feito errada.

Outra forma errada de ser mulher é recusar parar de falar sobre o que é viver com um corpo feminino: menstruação, endometriose, parto, aborto espontâneo, infertilidade, menopausa e essas coisas nojentas. Falar disso aparentemente exclui aquelas mulheres cujos corpos não fazem essas coisas.

Sabe, nos últimos anos, tem sido principalmente errado ser uma mulher na vida pública que se posiciona e defende os direitos com base no sexo de outras mulheres. Posicionar-se e defender pessoas trans é decente e está certo, mas se posicionar e defender os direitos de mulheres aparentemente faz de alguém transfóbica. Se você começa a falar da experiência feminina e pensa que não só é diferente da experiência masculina mas diferente para mulheres de diferentes etnias e classes, você será chamada de intolerante. Seu trabalho como mulher, diferentemente do trabalho de um homem, é incluir todas as pessoas, o tempo todo.

Autossacrifício sempre. Não fale por si próprias, moças! Mesmo que você tenha couro forte o suficiente pra entrar pra política, questionar a ideia de que mulheres deveriam manter direitos legais baseados no sexo é um nem-pensar. Isso é definitivamente a forma errada de se ser uma mulher, e aparentemente não é bem-vinda nem no Partido Verde (Green Party), nem no Partido Nacional Escocês (SNP — Scottish National Party) nem no Partido Trabalhista (Labout Party) [todos partidos do Reino Unido que, recentemente, têm episódios de expulsão ou afastamento de membras que se opõem ao apagamento da categoria “sexo” nas leis e, mais recentemente ainda, no censo]. Joanna Cherry, uma lésbica que tem lutado pelos direitos das mulheres sua vida toda, foi expulsa do SNP por “comportamento inaceitável”.

Outra forma muito errada de ser mulher é pensar de si como mais do que uma coleção de partes do corpo: lactantes, menstruantes, parideiras, possuidoras de cérvix. Você tem que refletir sobre o que a palavra “mulher” efetivamente significa agora que algumas organizações simplesmente nos baniram de dizê-la.

Uma coisa é clara, no entanto — se você é uma mulher, a mensagem que você recebe desde seu nascimento é que você basicamente está sempre “sendo mulher” do jeito errado. Que você nunca vai ser boa o suficiente.

É claro que podemos nos unir em torno de todos os tipos de diferenças, e deixá-las florescer. Mas essas são diferenças que precisam ser reconhecidas e discutidas. Não ignoradas em um simples slogan “inclusivo” e militudo. Senão, o que resta é a repetição incansável de óbvios disparates e a negação da experiência corporizada das mulheres. A mulheridade é reduzida a uma escolha individual.

Eu certamente não preciso das Nações Unidas me dizendo que eu estou “indo bem”. Eu continuarei desafiando essa completa tolice porque fazer a mulheridade “da forma errada” é meu absolutamente correto.


[1] Eddie Izzard é uma pessoa do sexo masculino de 59 anos que recentemente (dez./2020) declarou que agora estaria em “modo menina”, após requisitar o uso de pronomes femininos para si e confirmar que seria gênero fluido.


Texto original de Suzanne Moore