No século XXI, o Brasil conseguiu aprovar importantes leis para proteger as mulheres da violência social, como é o caso da Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006), que protege as mulheres contra a violência doméstica, e a Lei do Feminicídio (Lei 13104/2015), que torna crime hediondo o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres.
O combate às violências que as mulheres sofrem é primordial para que tenhamos uma sociedade mais justa. A misoginia na sociedade atinge todas as mulheres, independente de classe social ou raça, porém não atinge de forma igual. Embora todas as mulheres estejam sujeitas a experimentar violência verbal, agressões físicas e feminicídio, a probabilidade de que tais violências aconteçam com mulheres negras[1] é muito maior do que com mulheres brancas.
Considerando a taxa de homicídios de mulheres no Brasil, podemos ver pelo aumento do índice de vitimização da população negra (percentual que mostra a relação entre as taxas de assassinatos brancas e negras [2]), no período de 2003 a 2013, que o risco de vida que uma mulher negra corre no Brasil é muito maior que o de uma mulher branca.
Apesar de uma caída no índice em 2013, percebe-se uma taxa muito elevada e que tendeu a crescer nos primeiros anos deste século.
Segundo o Mapa da Violência de 2015, a taxa de homicídio de mulheres brancas caiu 11,9% no período de 2003 a 2013, passando de 3,6 mulheres brancas assassinadas, para cada 100 mil brancas, para 3,2. Porém, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 19,5% no mesmo período, passando de 4,5 para 5,4 mulheres negras assassinadas para cada 100 mil negras. Em 2013, foram 2875 mulheres negras assassinadas e 1576 mulheres brancas.
Se consideramos apenas a população jovem[3], os índices de assassinatos de mulheres são ainda maiores, sendo que as jovens negras também correm mais riscos que as jovens brancas.
Em 2015, foram 7,8 jovens negras assassinadas, a cada 100 mil jovens negras, contra 3,6 jovens brancas, para cada 100 mil jovens brancas. Ou seja, o risco de morte de uma jovem negra no Brasil é 2,19 vezes maior que de uma jovem branca. Nesse mesmo ano, 65% do total de mulheres assassinadas eram negras.
Considerando que boa parte dos assassinatos de mulheres constitui feminicídio[4], podemos dizer que o assassinato de mulheres guarda estreita relação com a misoginia. E considerando que a maioria das mulheres assassinadas são negras, também podemos dizer que o assassinato de mulheres no Brasil está ligado ao racismo.
A combinação de racismo e misoginia provoca violência, e coloca as brasileiras negras em situação especialmente vulnerável. Fica evidente, assim, a necessidade de elaboração de políticas públicas que protejam essa população específica. Não adianta aprovarmos leis se não entendermos a realidade do país e como a violência afeta de forma distinta diferentes grupos de pessoas.
Texto e infográficos por: Melina Bassoli
[1] Aqui o conceito usado para “mulheres negras” é o do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a soma de mulheres autodeclaradas pretas e pardas. No caso dos dados sobre mulheres assassinadas, leva-se em conta o que consta em suas declarações de óbito.
[2] Ou seja, quanto porcento é maior a taxa de assassinatos de mulheres negras em relação à taxa de assassinatos de mulheres brancas.
[3] Considera-se jovem aqui a faixa etária que vai dos 15 aos 29 anos. Para estes dados, foram considerados os municípios com mais de 100 mil habitantes.
[4] Em 2017, 21,15% dos 4473 assassinatos de mulheres no Brasil foram notificados como feminicídio. É importante observar que esse é um dado considerado subnotificado, além disso, Ceará, Rondônia e Tocantins não registraram, pelo menos até 2017, dados de feminicídio.
Fontes:
BRASIL. Lei nº 11.340, 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
BRASIL. Lei nº 13.104, 9 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13104.htm
IPEA. Atlas da Violência 2017. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf
G1, Núcleo de Estudos da Violência da USP e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Monitor da Violência. 2018. Disponível em: http://g1.globo.com/monitor-da-violencia/
Secretaria Nacional de Juventude. Índice de vulnerabilidade juvenil à violência 2017: desigualdade racial, municípios com mais de 100 mil habitantes. São Paulo, 2017. Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/indice_de_vulnerabilidade_juvenil_a_violencia_2017_desig/
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2015_mulheres.php