Uma breve introdução:

Esse é meu quinto artigo em uma série de trabalhos sobre sexo, gênero e sexualidade. As partes 1,2,3 e 4 estão disponíveis no site Sister Outrider. Com esse artigo, eu desafio a noção de que gênero possa ser ressignificado como algo além de uma hierarquia. Essa parte é dedicada à E, uma feminista lésbica iluminada.

“É impossível nomear e agir contra a opressão se não há opressores nomináveis.” — Mary Daly

O que é gênero?

Gênero é uma ficção criada pelo patriarcado, uma hierarquia imposta pelos homens para assegurar sua dominação sobre as mulheres. A ideia de gênero como um binário foi estabelecida para justificar a subordinação de mulheres, posicionando nossa opressão pelos homens como um estado natural das coisas, o resultado de como características inatas atribuídas a homens e mulheres se manifestam. Classificar o gênero como algo natural não serve apenas para despolitizar a hierarquia, mas como para usar do essencialismo para convencer mulheres de que a resistência radical a ideia de gênero — o meio da nossa opressão — é fútil. A falta de esperança gera apatia, o que dificulta mudanças sociais, mais efetivamente do que qualquer outro desafio manifesto. Se a abolição do gênero (e portanto, o desmantelamento do patriarcado) é uma meta inalcançável, as mulheres não têm outra escolha a não ser aceitar nosso status de cidadãs de segunda classe no mundo. Tratar gênero como algo inerente é aceitar a forma como o patriarcado criou nossa sociedade.

“Gênero é menos sobre isso, e mais sobre isso”

Gênero é uma hierarquia que permite aos homens serem dominantes e condiciona as mulheres a serem subservientes. Como gênero é um elemento fundamental do patriarcado capitalista de supremacia branca (hooks, 1984) é particularmente incômodo ver elementos do discurso queer argumentar que gênero não é apenas inato, como sacrossanto. Longe de ser uma alternativa radical ao status quo, o projeto de “queerizar” o gênero serve apenas para replicar os padrões moldados pelo patriarcado por meio de seu essencialismo. Um entendimento queer sobre gênero não desafia o patriarcado de nenhuma forma significativa — ao contrário de encorajar os indivíduos a resistir aos padrões patriarcais, ele oferece uma maneira de abraçá-los. A política queer não desafia os papéis de gênero tradicionais tanto quanto dá um sopro de vida novo a eles — e aí que mora o problema.

Argumentar que gênero é algo que pode ser “queerizado” é perder de vista como o gênero funciona enquanto um sistema de opressão. Hierarquias não podem, por definição, ser assimiladas nas políticas de libertação. Desequilíbrios de poder estrutural não podem ser subvertidas como se não existissem — reduzir gênero a uma questão de performatividade ou identificação pessoal nega a função prática da hierarquia. Qualquer ideologia que descarte abertamente gênero como um método da opressão feminina não pode ser descrita como feminista — e, como a ideologia queer se mantém largamente acrítica das disparidades de poder por trás da política sexual, ela é anti-mulher.

A lógica da identidade de gênero é fundamentalmente falha, e se baseia na premissa de que gênero é algo desenvolvido internamente. Feministas argumentam há décadas que gênero é socialmente construído — uma fabricação forjada para garantir a dominação masculina sobre as mulheres. A criação das crianças, que é engendrada desde antes do nascimento, serve para diferenciar os sexos entre uma classe dominante e outra dominada.

O feminismo reconhece que o sexo biológico existe ao mesmo tempo que se opõe ao essencialismo, ao se opor que a ideia de que o sexo dita quem ou do que somos capazes enquanto seres humanos. O feminismo afirma que nosso caráter, nossas qualidades, e personalidades não são definidas a partir do fato de sermos mulheres ou homens. Por outro lado, a teoria queer afirma que um tipo de características são inerentemente masculinas e outro tipo de características são inerentes à feminilidade, e nossa identidade depende de como nos alinhamos em relação à essas características.

Ao invés de reconhecer que existem múltiplas formas de ser um homem ou uma mulheres, a teoria queer categoriza as pessoas em um número crescente de categorias organizadas por estereótipos. Não existe nenhuma evidência científica para embasar a existência de gênero no cérebro, e afirmações de que cérebros possuem gênero é um produto do neurosexismo (Fine, 2010). Ainda assim, a ideologia queer posiciona o gênero como uma identidade inata, e afirma que “gênero é o que você se sente”.

“Os tentáculos de uma vida inteira de condicionamento cultural
que tentaram me convencer que gênero é um fato biológico ao invés de um construto social são mais difíceis de se livrar do que eu gostaria.”
 — Louise O’Neill, I Call Myself A Feminist: The View from Twenty-Five Women Under Thirty

O problema com a Identidade de Gênero

Apesar de seu essencialismo, o entendimento queer sobre gênero vem crescendo nos meios progressivos e nos espaços feministas. Não é difícil entender o porquê. A ideologia de gênero reconhece que o binário de gênero masculino e feminino é restritivo para os indivíduos, mas ao invés de defender o trabalho extensivo que é exigido para desmantelar a hierarquia dos gêneros, ela oferece uma solução muito mais facilitada: uma cláusula individual que permite mudar de status e fazer as pazes com o patriarcado. Embarcar na ideologia de gênero é entrar na narrativa do excepcionalismo. Abraçar a ideologia de gênero é aceitar que existe uma classe de pessoas que se encaixa naturalmente na posição dentro da hierarquia (ser o oprimido ou opressor) e uma classe de pessoas que é exceção às regras tradicionais de gênero.

Existe um problema fundamental com a ideologia queer. Como eu já escrevi anteriormente, esse problema é a misoginia. Afirmar que certos grupos de pessoas são naturalmente feitos para desempenhar os papéis de gênero impostos a sua categoria sexual — pessoas “cis” — serve para endossar a misoginia. Mulheres categorizadas como “cis” , pela lógica da identidade de gênero, estão naturalmente de acordo com o fato de serem oprimidas pelos homens. Todo sistema do patriarcado é então camuflado pela ideologia de gênero, e apresentado como uma ocorrência natural, ao contrário de um sistema de opressão criado para garantir o domínio dos homens sobre as mulheres.

Como as políticas de identidade são criadas à partir de uma narrativa do excepcionalismo, as dinâmicas de poder da política sexual são ignoradas em conjunto. Por meio do malabarismo linguístico dos “cis”, a opressão das mulheres é reformulada como um privilégio, e portanto, a libertação das mulheres “cis” da opressão patriarcal pára de ser uma prioridade. A política sexual é negada pela auto-identificação, que torna politicamente invisível o pertencimento a uma classe sexual.

“Tantos novos gêneros e ainda assim nós sabemos, magicamente, de qual a metade da raça humana é esperado que se limpe a bunda das crianças e esfregue o chão” — Victoria Smith, @glosswitch

Gênero é uma prisão, e eu tenho compaixão por aqueles constrangidos por esse sistema. É abominável que homens sejam desencorajados a ser empáticos, bondosos, criativos e auto-expressivos. Existe uma crueldade em socializar os garotos para a masculinidade. Tendo dito isso, existe uma conexão entre a ideologia de gênero e o privilégio masculino, que pede um exame minucioso.

Essa questão é exemplificada pelo caso de Ben Hopkins, membro do duo punk PWR BTTM. Hopkins é biologicamente homem, e portanto, socializado na masculinidade. Como boa parte de pessoas famosas que são biologicamente homens, Hopkins usou de sua fama e poder para abusar sexualmente de suas fãs. De acordo com uma das vítimas, Hopkins é “um notável predador sexual que já atacou mulheres múltiplas vezes, praticou bullying contra outras pessoas da comunidade queer, e já avançou contra a vontade de crianças menores de idade.” O que supostamente separa Hopkins da longa tradição de homens poderosos abusadores, é o fato de ele se identificar como genderqueer. Como tal, a perspectiva queer considera que os atos de Hopkins não podem ser analisados como violência masculina contra as mulheres. O excepcionalismo queer, por se manifestar na lógica da identidade de gênero, torna impossível nomear ou desafiar a violência masculina como ela se apresenta.

Homens são ensinados desde o nascimento que eles têm propriedade sobre o tempo das mulheres, sobre a atenção das mulheres, o amor das mulheres, a energia das mulheres, e sobre o corpo das mulheres. Ainda assim, de acordo com a lógica da ideologia de gênero, ocasiões como essa são infortúnios aleatórios, em oposição a uma consequência esperada de uma socialização engendrada que homens recebem na sociedade patriarcal. Apesar de se identificar como “genderqueer”, a violência sexual que Hopkins praticou contra mulheres com um poder social dramaticamente menor que o próprio, segue perfeitamente a lógica da masculinidade. Em que sentido esses homens que perpetuam os comportamentos mais tóxicos da masculinidade podem afirmar que estão transvertendo ou resistindo aos padrões de gênero?

Como fica claro em suas ações, Hopkins ainda não desaprendeu conscientemente a socialização masculina ou sobre o poderio masculino sobre o corpo das mulheres. Como Hopkins escolhe se identificar tem pouco a ver com a realidade da situação. Mas ao se rotular de “genderqueer”, Hopkins tenta apagar o privilégio masculino de que ele continua a se beneficiar. Em um artigo para o site Feminist Current, Jen Izaakson articula claramente o paradoxo de Hopkins se afirmirmar queer:

“…Hopkins usa de glitter, delineador, e vestidos antigos para demonstrar um entendimento e pertencimento aos ideias queer, para ilustrar sua rejeição à “masculinidade tóxica” e os padrões de gênero normalmente associados a homens. Mas usar vestidos floridos e brilho labial não leva necessariamente a uma verdadeira rejeição da dominação e ao direito masculino dos homens sob o patriarcado. Ao centrar em identidades auto-definidas, expressões individuais e performatividade, ao invés de investigar a violência masculina e os sistema de poder desiguais, o discurso queer deu acesso fácil à misoginia.”

Similarmente, o transativista Cherno Biko (nascido homem) confessou abertamente ter estuprado um homem trans (nascido mulher) com a fantasia e a intenção de engravidá-la contra sua vontade. Mesmo tendo reconhecido publicamente que praticou abuso sexual, Biko foi convidado a falar no palco na Marcha das Mulheres em Washington e também co-ocupou uma cadeira no Conselho de Mulheres Jovens da cidade de Nova York. Esse fato levanta questionamentos não só sobre a aparente falta de prestação de contas sobre abusos sexuais dentro de espaços feministas, mas também sobre a forma como os movimentos políticos progressistas estão preparados para negligenciar as instâncias da violência contra a mulher, se o perpetuador se identificar como transgênero ou queer.

Atos de violência contra mulheres são ao mesmo tempo a causa e a consequência do patriarcado, e eles são normalizados pela lógica do gênero. A ideologia de gênero desconsidera a disparidade de poder da política sexual — a hierarquia instituída pelo gênero — e como alternativa, considera gênero puramente como uma questão de auto-identificação. A perspectiva queer deliberadamente individualiza a questão da identidade no intuito de despolitizar o gênero, evitando, dessa forma, questões difíceis sobre poder e o patriarcado.

Nos contam que gênero é um fator profundamente pessoal e portanto, como todo liberal sabe, não deve ser analisado. Ainda assim, pesquisas demonstram que mulheres trans “mantém padrões masculinos em relação à criminalidade mesmo depois da cirurgia de mudança de sexo” e que “o mesmo é verdadeiro para crimes violentos”. Considerando que uma em cada três mulheres irão vivenciar violência masculina durante a vida, esse não é um fator pequeno: 96% das pessoas que cometem atos de violência sexual são biologicamente homens. A segurança de mulheres e garotas nunca é um preço aceitável a se pagar, nem mesmo em nome da inclusão. A socialização masculina desempenha um papel demonstrável ao moldar atitudes e comportamentos — se mulheres não podem nomear a violência que experimentamos ou identificar os sistemas que tornam essa violência possível, nós não podemos desafiá-la.

“Quando Simone de Beauvoir escreveu que uma menina não nasce uma mulher, mas se torna uma, ela não quis dizer que um indivíduo do sexo masculino, socializado na expectativa do gênero masculino, pode simplesmente decidir tomar hormônios e talvez fazer cirurgias e se ‘tornar uma mulher’.” — Dame Jenni Murray

Pelas lentes da identidade de gênero, o opressor pode se cobrir por seu privilégio masculino e afirmar ser do status do oprimido. Pelas lentes da identidade de gênero, o oprimido pode rejeitar as bases de sua opressão por meio da auto-identificação. A ideologia de gênero visa reorientar a hierarquia em uma identidade. Infelizmente, as pessoas não podem simplesmente optar sair da opressão, que é estrutural e sistemática por natureza — apesar do discurso queer apresentar essa saída da opressão como uma opção viável para as mulheres. O homem é padrão da humanidade, e a mulher é relegada a posição de “Outro” — definido puramente em relação ao homem (Beauvoir, 1949). Não é surpresa que um crescente número de mulheres, insatisfeitas com as limitações impostas pelo papel feminino e com uma consciência de que seres humanos auto-realizados são mais do que um vazio de estereótipos femininos, páram de se identificar como mulheres.

Ao invés de identificar o papel de gênero feminino como o problema, e trabalhar para desmantelar a hierarquia de gênero, as mulheres estão sendo encorajadas a parar de se identificar como mulheres se elas se comportam ou se sentem como seres humanos. Em vez de dar às mulheres as ferramentas para desaprender a misoginia internalizada, a ideologia de gênero as encoraja a despossuir a mulheridade e a afirmar serem exceções individuais para as regras de gênero. Posicionando a humanidade completa e a feminilidade como sendo mutuamente excludentes, a ideologia de gênero convida as mulheres a participarem do clube Eu-não-sou-como-essas-garotas: Edição Queer.

É compreensível que mulheres estejam propensas a escapar do papel feminino de gênero — de fato, a libertação das mulheres da hierarquia de gênero é o âmago da luta feminista. Mas o movimento feminista advoga a libertação de todas as mulheres de todas as formas de opressão, não simplesmente a libertação daquelas que acreditam que sua opressão individual pelo gênero é errada — aquelas que não “aspiram a nenhum tipo de feminilidade”

A Homofobia ao se Queerizar o Gênero

Apesar do discurso da comunidade queer, a aliança entre membros da sopa de letrinhas LGBT+ com a homofobia sempre esteve na base das políticas queer. A política queer nasceu como uma reação aos princípios feministas lésbicos, que defendia uma mudança social radical por meio das transformações das vidas pessoais (Jeffreys, 2003). Os interesses políticos de mulheres lésbicas e homens gays marginalizados — a abolição dos papéis de gênero primariamente — foram descartados dentro da esfera queer. O individualismo impediu a concentração do foco nas políticas gays e feministas, que o discurso queer passou a descrever como ultrapassados, triviais, ou anti-sexo.

Nos últimos anos, esse escárnio cresceu a ponto de se tornar um sentimento declaradamente anti-gay. Tentativas de silenciar mulheres lésbicas e homens gays são agora práticas comuns dentro da política queer. Em um artigo opinativo que questionava se a identidade lésbica “sobreviveria à revolução de gênero”, Shannon Keating afirma que as sexualidades gays e lésbicas são obsoletas:

“Contra o crescente pano de fundo colorido da diversidade de gênero, um rótulo binário de “gay” ou “lésbica” começa a parecer de certa forma banal e pesado. Quando se há tantos gêneros por aí, não seria conservador — ou pior, prejudicial e excludente — se você se identifica com um rótulo que sugere que você só se atrai por um? ”

Existe um rastro persistente de homofobia dentro da ideologia de gênero. Ela se manifesta tão regularmente porque essa homofobia faz parte do conceito das políticas de gênero. Atração pelo mesmo sexo é constantemente problematizada porque ela reconhece, tanto a existência do sexo biológico, quanto a sua importância em determinar o potencial para atração — uma contradição da afirmação de que o gênero, e não o sexo, é que define a unidade da identidade.

Esse ano, Juno Dawson, autor de The Gender Games, afirmou que ser um homem gay era um mero “prêmio de consolação” para aqueles despreparados para optar pela vida de mulher transgênero. Antes da transição, Dawson viveu e se relacionou como um homem gay — portanto, é particularmente problemático que Dawson proclame a homossexualidade como sendo menos valiosa de respeito e reconhecimento como sexualidade legítima. Dawson posiciona a vida como um homem gay como uma alternativa inferior, uma pobre substituição para uma transsexualidade reprimida. Quando homens gays e mulheres lésbicas se posicionaram contra essa homofobia, Dawson não se desculpou e respondeu de forma que revelou uma verdade fundamental sobre as políticas de identidade de gênero e sexualidade: “Muitos homens e mulheres trans viveram anteriormente como gays ou lésbicas antes de transicionarem, então acho que é importante discutir esses assuntos…”

É extremamente conservador argumentar que homens gays são na verdade mulheres trans insatisfeitas interiormente. Por essa lógica, somente os mais héteros e tóxicos exemplos de masculinidade são consideramos verdadeiramente homens. E se homens gays são na verdade mulheres trans héteros, então homens gays não existem. A homossexualidade foi “curada” — uma agenda tradicionalmente conservadora, mas agora pertencente a ideologia queer. E não é coincidência que muitos dos que escolhem passar por transição cirúrgica são homens gays ou mulheres lésbicas que, ao transicionar, podem viver vidas heterossexuais. No Irã, onde relações de mesmo sexo são punidas com pena de morte, o clérigo está preparado para “aceitar a ideia de uma pessoa ter nascido no corpo com o sexo errado.”

A ideologia de gênero é fundamentalmente conservadora. Ela se baseia na premissa de que os papéis de gênero são absolutos, que aqueles que fogem do papel descrito para seu sexo, devem pertencer à outra categoria. Mulheres lésbicas e homens gays desafiam os papéis de gênero simplesmente por amar alguém do mesmo sexo, por desviar da norma heteropatriarcal de dominação, para criar uma política sexual da igualdade. Se nós transicionamos para a heterossexualidade, para a confirmação dos papéis de gênero, nós nos conformamos com os papéis mapeados pelo patriarcado.

Ninguém nasce no corpo errado. Um corpo, não pode, por definição, ser errado. O sistema de gênero, por outro lado, é errado em todos os aspectos. Estamos problematizando os corpos, ao invés da hierarquia que confina os corpos a replicarem apenas uma ideologia destrutiva, com base no coração do patriarcado. É uma abordagem de cabeça para baixo das políticas de libertação, equivocada no melhor cenário, e cúmplice do patriarcado no pior.

Conclusão

Criticar a ideologia de gênero é extremamente desencorajado — Eu suspeito que seja porque quanto mais as pessoas exploram a perspectiva queer sobre o gênero, mais aparente a misoginia e a homofobia ficam. Uma vez que a fachada progressista começa a ruir — uma vez que fique claro que a ideologia de gênero é no máximo complacente com o patriarcado e seus perigos contra as mulheres — a política queer fica bem mais difícil de ser vendável para a população geral.

E então, as feministas que questionam a ideologia de gênero são rotuladas de intolerantes, a crítica e as próprias mulheres corajosas o suficiente para criticar se tornam ilegítimas. Mulheres que questionam essa ideologia são taxadas TERFs (Feministas Radicais que Excluem Trans) — nós ouvimos o tempo inteiro que o único motivo para se criticar o gênero é a malícia, ao invés de uma preocupação genuína com o bem estar de mulheres e meninas. Para isso, eu ecoou as palavras de Mary Shelley: “Fique atento; porque sou destemida, sou portanto, poderosa”. Qualquer tentativa de dissuadir mulheres de falar sobre nossa opressão é profundamente suspeito.

A ideologia de gênero cria uma falsa dicotomia entre pessoas que seguem de forma inata os papéis tradicionais de gênero e aqueles poucos que são exceção à regra. A política de gênero é o exemplo mais elaborado e prejudicial de se usar a ferramenta do mestre para destruir a casa do mestre. Por que queerziar o gênero quando podemos abolí-lo? Por que gastar energia tentando subverter uma prática opressiva quando podemos acabar com ela completamente?

Mulher é uma classe sexual — nada mais, nada menos. Homem é uma classe sexual — nada mais, nem nada a menos. Afirmar que o escopo de nossa identidade é definida pelo papel de gênero pressionado em nós de acordo com nosso sexo, é legitimar o projeto do patriarcado. Como feminista, como mulher, eu rejeito a política queer e a ideologia de gênero que ela defende. E em seu lugar, eu argumento que mulheres e homens podendo viver fora do roteiro previsto pelo gênero — seja na classificação queer ou patriarcal do termo — deveriam ser vistos como revolucionários. Apenas por meio da abolição dos papéis de gênero, poderemos atingir a libertação verdadeira.

Bibliografia

Simone de Beauvoir. (1949). The Second Sex.

Cordelia Fine. (2010). Delusions of Gender: How Our Minds, Society, and Neurosexism Create Difference.

Lynne Harne & Elaine Miller (eds.). (1996). All the Rage: Reasserting Radical Lesbian Feminism.

bell hooks. (1984). Feminist Theory: From Margin to Center.

Sheila Jeffreys. (2003). Unpacking Queer Politics.

Audre Lorde. (1984). Sister Outsider: Essays and Speeches.

Cherríe Moraga & Gloria E. Anzaldúa (eds.). (1981). This Bridge Called My Back: Writings by Radical Women of Color.

Bonnie J. Morris. (2016). The Disappearing L: Erasure of Lesbian Spaces and Culture.

Victoria Pepe (ed.). (2015). I Call Myself A Feminist: The View from Twenty-Five Women Under Thirty.

Rebecca Reilly-Cooper. More Radical with Age.

Tradução do texto de Sister Outrider