e aquele meme ali
e aquele meme ali

Segundo os dicionários existentes da língua portuguesa, consentimento é:

“Licença; dar permissão, Concordância; ação de manifestar aprovação em relação a alguma coisa, Estar de acordo com a realização de alguma coisa por alguém. Que possui concordância entre partes; demonstração de opiniões similares; concordância entre pessoas que buscam o mesmo propósito.Ação ou efeito de consentir; ato de permitir, de autorizar.”

Retirado de: Dicionário Online de Português.

Observa-se que consentir é uma ação que parte do outro. Existe a interação entre duas partes, mas uma requisita a permissão e a outra concede. Não existe consentimento automático, ele precisa ser expresso, pode ser por palavras, documentos, mas precisa ser EXPRESSO. Não apenas uma noção que pode vir a ser compreendida como consentimento e com certeza não é subjetivo.

Convido a todos a fazerem uma reflexão neste momento: quando compartilhamos uma imagem que parece engraçada, que tem potencial parar virar meme, alguém já refletiu no impacto que isso tem sobre a pessoa que está ali retratada? Como que aquela pessoa que é usada como motivo de piada para você,seus contatos no whatsapp ou ainda no telegram, twitter e outras redes sociais pode se sentir ao constatar que sua imagem viralizou sem o seu expresso consentimento? E as consequências desse compartilhamento desenfreado?

Há esse combinado silencioso que as imagens que trafegam pela internet são todas livres. Ao mesmo tempo que vemos artistas o tempo todo (e com toda a razão) reclamarem do mau uso de sua arte, já que não deram consentimento e por mais que ainda desrespeitem o uso da arte, o fato de existir a necessidade de consentir é interessante.

Pois vejam, para o meme, não existe o consentimento da imagem da pessoa, embora aqui no Brasil e acredito que em outras partes do mundo, para ter a imagem propagada, a pessoa precisa atestar a permissão em um termo de uso de imagem. Mas como isso chega até os memes e figuras de whatsapp, como essas figuras são escolhidas e disseminadas até a exaustão e quais as consequências desse uso contínuo para essas pessoas?

Um exemplo famoso da influência desse compartilhamento é a cantora Gretchen. Ela teve altos e baixos na carreira, mas ressalta-se que é uma pessoa com fama consolidada antes desta nova era da comunicação instantânea. Como uma pessoa que já era famosa, as imagens da cantora estavam desde sempre sendo compartilhadas e ela se tornou o rosto para expressar muitas emoções e ideias em forma de gifs. Não conseguimos passar um tempo em redes sociais sem ver o rosto da cantora em diversas situações. Desde sua participação em realities shows, filmes adultos, reportagens quando trabalhava em uma hamburgueria em outro país ou ainda fotos ou pequenos vídeos de seus casamentos. Tudo o que aparece na internet com o rosto da cantora, é usado de forma desenfreada. Também temos as figurinhas de whatsapp e Telegram que tem inúmeras imagens dela circulando por aí. Mas Gretchen já era acostumada com a fama e as imagens a trouxeram de volta ao mundo das celebridades mais importantes. Kate Perry e Nicky Minaj são exemplos de artistas internacionais que a reconheceram através dos gifs e foi uma exposição benéfica em certos pontos.

Contudo, o que acontece quando a pessoa é anônima? E a imagem dela é usada para fins de chacota? Temos o caso de Débora, que foi entrevistada pela BBC Brasil no meio do ano de 2019. Ela tinha 15 anos quando virou meme. Estava se divertindo com a família, pegou o óculos do primo e tirou uma selfie, jogou em sua rede social, alguém compartilhou e a onda foi fluindo. Ela jamais imaginou como uma simples foto poderia mudar toda a sua vida. Nunca chegamos a imaginar aquele que aparece na imagem como uma pessoa, o que é ridículo, porque é um ser humano retratado ali.

A entrevista é interessantíssima e ao mesmo triste porque percebemos as consequências dessa exposição com fins vexatórios para as pessoas que não possuem a blindagem da fama. Debora relata que largou os estudos porque não conseguia aguentar o bullying dos colegas, também ela passou a se achar menos bonita do que era, considerando que sua foto era mostrada para exemplificar alguém que não tinha boa aparência. Os sentimentos de inferioridade foram levando Débora a desistir de etapas de sua vida, até que ela tentou um ato extremo. As sequelas dessa exposição não foram benéficas para ela. Ela relata que se sente acuada e que ainda sofre consequências dessas práticas.

No ano de 2019, Debora voltou a ter sua imagem compartilhada pelas redes sociais e o pavor daquele assédio retornou com força. Ela mais instruída, entendeu que as ofensas que recebia eram de cunho majoritariamente racista e dessa vez foi procurar as redes sociais nas quais seu rosto era estampado para que os posts fossem retirados.

São histórias de pessoas com vidas totalmente diferentes e com resultados totalmente diferentes, mas o cerne da discussão seria por que nos achamos no direito de pegar essas imagens e utilizá-las ao bel prazer? Será que seria muito dolorido para as nossas comunicações via rede que não utilizássemos essas imagens? O quanto nos achamos donos daquilo para compartilhar sem pensar no outro?

Fica o questionamento.