Garota Exemplar é um longa-metragem de 2014 inspirado no livro de mesmo nome da autora Gillian Flynn. Se trata de um suspense psicológico que envolve o desaparecimento da protagonista, Amy, e da imediata suspeita da polícia e da mídia sobre Nick, seu marido.
É uma produção surpreendente em vários sentidos, tendo ganhado algumas premiações. Muitas de vocês já devem ter assistido ou mesmo lido o livro. Há muitos rewiews na internet sobre ambos, geralmente com uma crítica positiva. Por não ter lido o livro, aqui vou me ater só ao filme, e especificamente a um aspecto da obra que creio ter passado um pouco despercebida em meio a tantos plot twists: a própria Amy e o que ela representa.
Pude perceber, no filme, uma forte crítica à mulher idealizada, à ideia que muitos homens heterossexuais tem de uma feminilidade perfeita, exemplar. Ao longo da história, ficamos sabendo que Amy é filha de uma escritora de livros infantis e que, ainda criança, serviu de modelo para uma série chamada Amy Exemplar, onde a protagonista era ela própria, mas em uma versão melhorada aos olhos de sua mãe.
Esse aspecto da vida da protagonista diz muito sobre ela, seus relacionamentos e sua história. Acaba dizendo um pouco sobre nós também. Afinal, Amy é só uma versão exagerada da mulher a quem foi imposta a obrigatoriedade de perfeição durante a infância e que, quando mais velha, reproduz esse padrão de realizar idealizações alheias em toda sua esfera relacional, principalmente a romântica.
Explicando melhor, devido à fama dos livros de sua mãe, a menina teve que apresentar a mesma postura da garotinha sem defeitos dos contos. Quando adulta, além de ainda ser conhecida como “Amy Exemplar” e precisar se portar como ela em público, em suas relações íntimas também fazia de tudo para personificar a mulher dos sonhos de seus parceiros.
A partir disso, vamos refletir: o treinamento que meninas recebem desde a infância para suprir as expectativas parentais de filha perfeita, ou as intermináveis listas de exigências e “preferências” masculinas ao se relacionar com uma mulher, o que é mais cruel? Difícil escolher.
Quantas de nós, pelos mais variados motivos, se sentem um projeto que deu errado devido a expectativas familiares? Quantas, hoje, tendo aprendido desde cedo que amor para elas é condicional e que estas condições são rígidas, se arrastam em busca da aprovação masculina? Acredito que muitas, enxergo-as com frequência.
Em Garota Exemplar, os rumos tomados por Amy em sua busca de personificar a feminilidade perfeita nos assustam, mas se pensarmos bem, são as únicas maneiras com que ela consegue isso. Em várias das cenas do filme, podemos ver pistas desse processo: como ela mudava de personalidade de acordo com o relacionamento, sua relação com a mídia. Uma das falas de sua mãe diante do seu desaparecimento mostram que, até em um momento como esse, ela era usada como um troféu.
Quantas exigências parentais de feminilidade perfeita você já teve que escutar? Mocinhas não saem mal arrumadas, elas sentam de pernas fechadas, não reclamam ao pentear o cabelo porque “beleza dói mesmo”, são comportadas e nunca dizem não.
Quantas exigências masculinas de feminilidade perfeita você já viu? Tem que parecer maquiada sem usar maquiagem, acompanhá-lo na cerveja sem ter barriguinha, não ser essas “loucas da dieta” mas estar sempre magra, não gastar muito tempo e dinheiro com futilidades mas estar sempre com cabelo arrumado e unhas feitas, ter os mamilos e a vulva cor-de-rosa, não ser como as outras pois elas são inferiores, mas ser como elas para não se destacar, se interessar por jogos mas nunca ganhar.
O quão loucas teríamos que ser para cumprir tudo isso? O quão louca dizem que somos quando recusamos tal papel?
“Eu tenho sido perguntada, educadamente e não tão educadamente, por que eu sou assim. Esta é uma satisfação que qualquer mulher será convocada a dar se ela reivindica suas escolhas. ”
– Andrea Dworkin
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