(Tradução do texto de Meagan Tyler para o site THE CONVERSATION)
Feminismo voltou a estar na moda. Enquanto a pressão pelo uso da palavra começada com F tem se intensificado, figuras públicas, corporações e boa parte da mídia de massa tem propagado um versão pouco desafiadora de feminismo no imaginário popular. É um feminismo que nunca menciona a libertação das mulheres, mas opta por uma celebração da liberdade de “escolha”.
Leia praticamente qualquer artigo online sobre feminismo e perceba como os comentários vão rapidamente recair sobre o debate da escolha. Não importa exatamente qual seja o assunto, as pessoas são rápidas em reenquadrá-lo em uma questão de empoderamento individual e direito de escolha das mulheres. Essa tática proporciona um bom desvio do debate sobre as estruturas de poder e normais sociais que ainda restringem mulheres de várias formas, em todas as partes do mundo.
O “Feminismo da escolha” está na moda. No fim de Março de 2017, a revista de moda dona de um império, Vogue, lançou um vídeo filmado na Índia com a chamada “My Choice”, parte da campanha Empoderamento Vogue que, literalmente, reduzia o empoderamento feminino a uma série de escolhas.
O vídeo se tornou um viral e, como constata a repórter indiana Gunjeet Sra, a hipocrisia de “uma indústria que se baseia em fetiche e objetificação, em reforçar padrões sexistas de beleza nas mulheres” supostamente promover feminismo passou batido na crítica midiática.
Essa versão liberal de “feminismo de escolha” chegou à mesma conclusão baseada em sua lógica, um pouco absurda, quando um candidato do partido Liberal Democrata do Reino Unido tentou justificar imagens dele ganhando uma lap dance em uma boate de strip tease. Aparentemente, foi tudo parte de sua missão feminista de apoiar “o empoderamento de mulheres para fazerem escolhas e não julgar as escolhas que elas fazem” .
Até a Playboy decidiu recentemente surfar a onda da teoria feminista, e apareceu defendendo os direitos das mulheres de serem pornografizadas. O que, é claro, encaixa perfeitamente nos planos de negócio da revista, algo muito conveniente.
Incidentes como esses, assim como discussões banais sobre o feminismo da Beyoncé, ou se políticos deveriam usar camisetas do tipo “É assim que um feminista se parece”, que inspiraram uma nova coleção de artigos feministas, “A Falácia da Liberdade: Os limites do feminismo liberal.*”
Neste livro, em que fui co-editora, 20 mulheres abordam diferentes tópicos que se tornaram frequentes no meio do “feminismo de escolha”: da pornografia a prostituição, para mutilação genital feminina, passando pelas revistas femininas e casamento até a violência sexual. Vindo de um panorama de perspectivas distintas, nós todas criticamos a noção de que “escolha” deva ser a finalidade última da libertação das mulheres.
Muitas de nós argumentamos que a ascensão desse feminismo Pop é na verdade mais traiçoeira do que a finalidade oca da afirmação “Eu escolho minhas escolhas” pode parecer.
Primeiramente, o argumento da escolha é fundamentalmente falho porque assume-se um nível de liberdade consumada que para a realidade das mulheres, simplesmente não existe. Claro, nós fazemos escolhas, mas essas escolhas são moldadas e restritas pelas condições de desigualdade em que vivemos. Só faria sentido celebrar sem críticas o poder de escolha em um mundo pós patriarcado.
Segundo, a ideia de que mais escolhas automaticamente significam mais liberdade é falsa. Isso é praticamente vender liberalismo com um toque feminista. Claro que mulheres agora podem trabalhar ou ficar em casa se elas tiverem filhos, por exemplo, mas essa “escolha” é praticamente vazia quando se tem em mente que o cuidado com os filhos continua sendo construído como “um trabalho de mulher” e que o apoio estatal voltado para creches públicas praticamente inexiste e que mulheres que decidem por não terem filhos ainda são vistas como egoístas.
Terceiro, o foco em escolhas como o pretexto e o fim em si mesmo do feminismo tem resultado em uma forma perversa de culpabilização de vítimas e distração do problemas reais mulheres ainda enfrentam. Se você não está feliz com situação das coisas, não culpe a misoginia ou o machismo, os salários desiguais, os papéis impostos de gênero, a baixa representatividade de mulheres em parlamentos ou em cargos de chefia, nem culpe a violência epidêmica dos homens contras as mulheres. Culpe a si mesma. Você obviamente fez a escolha errada.
A socióloga Natalia Javanovski aponta em seu capítulo no livro “A falácia da liberdade” que não é de se surpreender que essa nova forma de feminismo liberal tenha vindo para ficar. Privilegiando escolhas individuais acima de tudo, ele não desafia o status quo.
Ele não demanda mudanças sociais significativas e subestima efetivamente a chamada por ação coletiva. Esse novo feminismo basicamente não te exige nada e não te dá nada em troca.
Em vez de resistência, agora temos atividades que antes eram consideradas arquétipos do status de subordinação das mulheres sendo apresentadas como escolhas pessoais libertadoras. Assédio sexual foi repaginado como uma brincadeira inofensiva que mulheres podem aproveitar. Casamento foi reconstruído em um ato de amor feminista.
Cirurgia de labioplastia agora é vista como um aprimoramento estético. Pornografia é emancipação sexual. Objetificação é o novo empoderamento.
Ao invés de falarmos sobre uma visão de um futuro mais igualitário, somos deixadas com uma visão interna, com discussões fúteis sobre se uma mulher em específico é ou não uma “má feminista”. Ou como a jornalista Sarah Ditum definiu, o jogo do “você pode ser feminista e…?”. Como se o problema real do progresso das mulheres fosse um arquétipo de feminista ideal que nós devêssemos nos encaixar.
Tão radical é a individualização do “feminismo de escolha” que quando mulheres criticam indústrias, instituições ou construções sociais, elas geralmente encontram o argumento de que estão atacando as mulheres que participam dessas indústrias. A importância das análises de nível estrutural perderam totalmente sua importância na compreensão popular de feminismo.
Para efeitos de comparação, parece bem caricato sugerir que ao criticar o capitalismo, Marxistas estão atacando os assalariados. Também seria estranho sugerir que os que criticam a indústria farmacêutica odeiam os que trabalham em fábricas de produção de medicamentos. Ou que aqueles que questionam a redes de alimentos fast food estão na verdade atacando as crianças que consomem Big Mac.
Por fim, a celebração da “escolha” — e o mito de uma igualdade já alcançada — têm dificultado nossa habilidade de desafiar as instituições que atrasam o progresso das mulheres. Mas a luta ainda não acabou.
Muitas mulheres estão voltando a afirmar que o feminismo é um movimento social necessário para libertação e pela igualdade de todas as mulheres, não apenas escolhas triviais para algumas.
1. Freedom Fallacy: The limits of liberal feminism foi lançado na Australia em Março. Está também disponível internacionalmente.
Obrigada por essa tradução, companheira. Avante! 💜
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