Minha forma de lidar com a socialização feminina é e sempre foi um tanto conflituosa, ela ainda é a fonte dos meus choros mais desgraçados, deve ser por isso que eu me identifiquei tanto com o feminismo radical, com a ideia de gênero não enquanto algo inofensivo com o qual você pode ou não se identificar, mas como a imposição de uma performance nociva que faz com que nós mulheres nos mantenhamos passivas a um sistema hierarquico onde o macho humano se encontra no topo.
As mazelas mentais causadas pelas expectativas que me impuseram enquanto fêmea não há “empoderamento” que amenize. O tempo perdido em nome da feminilidade, seja me submetendo a ela ou lutando contra, não tem representatividade que recupere. Não existe liberdade sexual que cure o desgaste mental para lidar com os conflitos gerados pelos meus pensamentos autossabotadores .
Uma questão que a psicologia anda precisando muito debater é a saúde mental das mulheres levando em conta esse viés, considerar os vestígios patologizantes gerados pela forma como a subjetividade destas foi e é construida a partir de uma cultura castradora de fêmeas é de extrema importância, afinal, se uma mulher negra e lésbica, por exemplo, vai em busca de auxilio profissional e o terapeuta em questão nem ao menos investiga os impactos causados por essas instâncias na história de vida da mesma, isso não diz de um descaso? As questões que dizem respeito à ética são colocadas em jogo. A clínica que simplesmente descontextualiza demandas relacionadas a um determinado fenômeno social, mascarando-as enquanto um problema singular, é, ao mesmo tempo, ingênua e perversa.
Tal urgência de atualização por parte das ciências psicológicas no que diz respeito à saúde mental feminina se justifica a partir do momento em que vivemos em uma sociedade que prioriza as necessidades masculinas, a naturalização dessa condição acaba fazendo com que acreditemos em uma dita “maldição de Eva”, onde, fatalmente, o sofrimento e a subserviência se tornam um traço inato às fêmeas. A transformação dessa condição só pode ser conseguida quando as mulheres forem capazes de pensar acerca de si mesmas a partir das próprias experiências e daquilo que observam também fazer parte da realidade de tantas outras. Tanto a falta de informação quanto o distanciamento por parte das mulheres em relação ao exercício do autoconhecimento vinculado a um abranger perceptivo que visa relacionar as próprias vivências ao contexto sociocultural e econômico no qual se está inserida, acaba por manter a casta feminina em uma condição de cegueira, fazendo com que aceitemos a ilusão de onipotência fálica que os homens esquecem de deixar na infância enquanto base ideológica da sociedade onde vivemos.
Mulheres estão muito exaustas para lutar, transtornos como depressão e anorexia vem nos atingindo em cheio, gastamos nosso tempo, nossa saúde física e mental e nosso dinheiro em rituais feminilizadores, performances maternais e tentativas de diminuir nossas culpas por não atingirmos expectativas propositalmente inatingíveis. Nascer mulher em uma sociedade construída para os homens, por si só, torna-se uma sentença de desgaste psicológico. Para vencer o mal que nos atinge coletivamente acaba sendo primordial também que lutemos contra os fantasmas que o mesmo alimenta em nossas mentes.
É nesse sentido que acredito que seria interessante pensar a psicologia, em qualquer uma de suas teorias e modalidades de assistência, enquanto potencial instrumento capaz de fazer fissuras nessa estrutura. Cabe a nós, mulheres estudantes ou profissionais de psicologia, trabalhar para que esta possa ser mais uma das áreas de conhecimento a adentrar com cada vez mais força à literatura teórica feminista, bem como direcionar nossa clínica a uma atenção mais comprometida para com as mulheres que nos chegam para atendimento, visando sempre trabalhar sua autonomia e a tomada de consciência.