Separar para integrar

Com o ressurgimento do movimento dos direitos das mulheres em meados da década de 1960, a questão do separatismo feminino rapidamente veio à tona. A questão crítica era a demanda por grupos de mulheres e por mulheres.

É claro que havia grupos de mulheres muito antes disso: no espectro político, elas variavam entre a Greve da Mulher pela Paz, à esquerda, e a Liga das Mulheres Eleitoras, no meio, e as Filhas da Revolução Americana, à direita. Além disso, havia inúmeras organizações não-políticas de mulheres – auxiliares de mulheres, clubes de mulheres, faculdades de mulheres, a YWCA etc. A composição exclusivamente feminina desses grupos não alarmou ninguém por causa de seus objetivos, por mais que diferissem de grupo para grupo, foram os mesmos no aspecto crucial de não abordar a questão dos direitos das mulheres.

Dadas as condições da supremacia masculina, os grupos dessas mulheres costumavam ser os únicos lugares onde as mulheres podiam trabalhar livremente no que as interessava. Na melhor das hipóteses, representavam uma tentativa de sobreviver sob a supremacia masculina, mas certamente não para acabar com ela. Dadas as demandas das mulheres para sair de casa, os homens permitiram essa forma de grupo de mulheres como uma alternativa preferível a ter mulheres nas fileiras, e especialmente na liderança, de suas próprias organizações. 

No início e meados da década de 1960, as mulheres ativas no movimento radical começaram a agir para enfrentar a supremacia masculina em suas organizações e a questão de como trabalhar com os homens em bases iguais. Em 1964, por exemplo, as mulheres do SNCC realizaram reuniões informais para lidar com sua posição no movimento. A certa altura, elas apresentaram essas questões para uma reunião da equipe do SNCC, uma ação liderada por Ruby Doris Smith Robinson, fundadora do SNCC. Foi nessas reuniões que a frase “libertação das mulheres” começou a ser usada. Os esforços posteriores incluíram a demanda por um painel para mulheres na convenção SDS de 1966 e na Conferência Nacional de Nova Política de 1967, onde as mulheres tentaram colocar os problemas das mulheres na agenda e paralelamente à demanda dos negros por 51% do poder de voto na Conferência. Durante esse período, as mulheres que estavam levantando o slogan “libertação das mulheres” e as idéias radicais por trás dele ainda tentavam muito seriamente trabalhar dentro do movimento radical “integrado”. Grupos de libertação de mulheres independentes ainda não existiam.

Em junho de 1966, a Organização Nacional pelas Mulheres foi formada. Como o título indicava, não era para ser uma organização de mulheres, mas de mulheres e homens pelas mulheres. O primeiro parágrafo da declaração da NOW diz:

“Nós, homens e mulheres que aqui nos constituímos como Organização Nacional pelas Mulheres, acreditamos que chegou a hora de um novo movimento em direção à verdadeira igualdade para todas as mulheres na América (…)”

Embora possam ser levantadas questões sobre a extensão ou o efeito da participação masculina no NOW, o grupo claramente rejeitou o separatismo feminino como uma ferramenta para conquistar os direitos das mulheres, alegando que excluir homens significaria concordar com a segregação. Elas se apresentaram como idealistas a esse respeito – elas não seriam culpadas do mesmo fanatismo que os homens – embora sempre se sentisse uma corrente de medo: medo de ser chamada de misândrica, de afastar outras mulheres, de confrontar a realidade do poder dos homens sobre as mulheres e decidir quais ações seriam necessárias para acabar com isso.

Pelas declarações e argumentos orais de muitos representantes da NOW, parece que a estratégia por trás da política de associação da NOW era defender um princípio, “viver” um princípio, fazer um “modelo” dele como a maneira de implementá-lo de fato. Supunha-se, em bases morais superficiais, que um grupo que lutava contra a exclusão de mulheres com base no sexo não podia, ele próprio, excluir com base no sexo. Mas uma análise da história e dos eventos reais mostra que os esforços feministas integrados da NOW permaneceram praticamente invisíveis até que as radicais começaram a organização separatista.

De 1967 em diante, grupos independentes de libertação de mulheres – grupos de e para mulheres – começaram a se formar. Foi uma resposta direta das primeiras fundadoras ao fracasso e, às vezes, ao ridículo, que encontraram nos seus esforços iniciais em levantar as questões da libertação das mulheres em grupos de movimentos integrados. Sua experiência em trabalhar com homens, homens que afirmavam ser simpáticos às ideias de libertação das mulheres e homens que afirmavam não ser simpáticos, combinada com a contribuição explosiva de ideias do movimento de poder negro, deixaram poucas dúvidas de que as mulheres teriam que se encontrar sozinhas, sem homens, para começar realmente a fazer algo sobre sua libertação.

Contudo, nas suas ações iniciais, essas mulheres radicais claramente diferenciaram sua ideia de separatismo do antigo conceito e prática de grupos sexualmente segregados. O separatismo que elas defendiam era apenas um meio para acabar com o antigo problema de segregação sexual e a desigualdade que ele gerava, uma distinção que foi enfatizada na primeira manifestação dos primeiros grupos de libertação das mulheres independentes. Em uma ação conjunta do Radical Women de Nova York e Chicago em janeiro de 1968, o núcleo Radical Women de Nova York convocou as mulheres da Brigada Jeanette Rankin, um grupo de paz composto por mulheres, a parar de se organizar com base em seus papéis femininos tradicionais – neste caso, como esposas e mães pela paz – e começar a se organizar para a libertação das mulheres. Elas estavam, no fundo, convocando os grupos só de mulheres para acabar com (a necessidade por) grupos só de mulheres. No cerne do feminismo, afinal, estava a demanda pela integração de homens e mulheres na sociedade e o fim da divisão artificial do trabalho e do poder com base no sexo.

No entanto, houve diferenças nas razões pelas quais as mulheres radicais consideraram o separatismo como estrategicamente necessário e estas foram significativas. Mulheres como Shulamith Firestone, fundadora da Radical Women de Nova York, via o separatismo como uma maneira de construir uma base de poder para as mulheres:

“Não devemos vir como suplicantes passivas, implorando favores, pois o poder somente “coopera” com o poder… Até que nos unamos em uma força a ser reconhecida, seremos tratadas de forma paternalista e ridicularizadas até a total ineficácia política.” (Firestone, folheto da Brigada Jeannette Rankin, janeiro de 1968)

Pam Allen, que também foi fundadora do Radical Women de Nova York, representou outra visão predominante. Ela via a razão do separatismo feminino em termos de psicologia, não de poder:

“…as próprias mulheres não querem ocupar posições de liderança. Elas não se sentem tão qualificadas quanto os homens, nem tão competentes ou políticas. Descobrimos que existem sentimentos de inferioridade muito fortes entre as mulheres e que era muito produtivo e positivo que as mulheres se encontrassem e descobrissem que não era um problema individual (…) O chauvinismo é um problema do homem. Tínhamos muito que trabalhar para começar a desenvolver um senso de identidade verdadeira.”

Allen continua:

“Eu pareço estar de um lado do que pode ser uma diferença muito básica (…) Tem a ver com o objetivo de alguém de atacar ou não homens e forçá-los a nos permitir fazer parte de sua sociedade ou começar a definir quem e o que nós somos em nossos próprios termos.” (Allen, trechos da entrevista da WBAI com Pam Allen e Julius Lester, 5 de maio de 1968)

A análise psicológica e terapêutica vs a análise política refletiu sentimentos muito diferentes sobre cada uma das mulheres. As mulheres que adotaram a visão política do separatismo não se sentiam desqualificadas relativamente aos homens e tinham se deparado com problemas com os homens radicais e não-radicais exatamente porque eram qualificadas. Elas achavam que a oposição e o antagonismo colocados no caminho das mulheres que reconheciam sua igualdade e agiam sobre ela eram o problema essencial para as mulheres como um todo, quer elas se sentissem inferiores ou não. Os “sentimentos de inferioridade” descritos por outras mulheres, quando analisados ​​corretamente, seriam revelados como medo genuíno, confusão etc. – em outras palavras, um resultado lógico de ter que lidar com pessoas com mais poder. A necessidade de encontrar-se separadamente era devido a um conflito político de interesse com os homens naquele ponto da história social e política. Não se podia organizar contra o poder masculino com homens na sala. Pedir que as mulheres fizessem isso era exigir algum tipo de superioridade mística, que elas fossem melhores que os seres humanos comuns, tanto homens como mulheres.

As duas visões também refletiam objetivos diferentes. De acordo com Allen, tínhamos uma escolha de dois objetivos – tornarmo-nos “parte da sociedade deles” ou “começar a definir quem e o que somos”. Fora dessa análise, fica o objetivo feminista radical de definir não quem somos, mas o que queremos e, ao fazer isso, moldar nossa sociedade – e não a deles.

De modo geral, se as porta-vozes dos primeiros movimentos de libertação das mulheres adotavam uma visão terapêutica liberal ou uma visão política radical da solução para seus problemas como mulheres, o separatismo era visto apenas como uma estratégia necessária. O objetivo sempre foi a integração com igualdade. Uma análise do uso original do slogan “a irmandade é poderosa” no folheto em que foi criado, mostra isso claramente. Ele exemplificava a teoria radical sobre a qual o movimento de libertação das mulheres foi lançado.

Irmandade

O movimento de libertação das mulheres independentes separatistas começou a lutar de muitas maneiras concretas para implementar esse tipo de integração feminista radical. A luta pelo direito ao aborto, afinal, era uma luta pelas relações sexuais com os homens – mas em bases iguais. A luta para fazer os homens compartilharem o trabalho doméstico foi outra luta essencialmente integracionista de uma crescente base de poder do movimento de libertação das mulheres, assim como a luta por creches. O sucesso dessas lutas teria o efeito de libertar as mulheres para agredir os bastiões segregados de longa data da vida profissional e política.

A resposta da esquerda aos grupos de mulheres radicais mudou quando ficou óbvio que as idéias feministas estavam pegando e se espalhando por todo o país. Embora as primeiras respostas tenham variado desde a ridicularização das mulheres até a minimização e individualização dos problemas das mulheres, agora algumas partes da esquerda começavam a expressar uma aparente aceitação da premissa básica de que as mulheres eram um grupo oprimido e que a questão era um problema importante para ser atacado imediatamente. De fato, eles continuaram a resistir à libertação das mulheres, opondo-se aos meios de obtê-la – o movimento de libertação das mulheres independentes. Eles acusaram grupos feministas exclusivos – os mesmos grupos que forçaram esse reconhecimento mínimo da supremacia masculina nos grupos de esquerda – de perpetuar a divisão indesejável entre homens e mulheres. Assim como a NOW, a esquerda insistia que homens e mulheres deveriam trabalhar juntos para mudar o sistema que os oprimia. Parece que, no que diz respeito especificamente à posição das mulheres, a esquerda finalmente chegou lá, mas não foi muito além da NOW “burguesa”, pela qual tinha tanto desprezo.

O que provocou resistência da esquerda foi a ameaça de ação real sobre questões feministas. Um exemplo foi quando o Fundo Educacional da Conferência do Sul despediu Carol Hanisch. Hanisch, então uma organizadora paga do FECS, queria organizar as mulheres em grupos de libertação das mulheres. O FECS respondeu que a supremacia masculina deveria ser tratada em “grupos mistos”. Mas em “grupos mistos” os homens prevaleciam.

No entanto, o FECS apoiava grupos de mulheres cujas questões não fossem feministas. Uma carta de protesto da Radical Women de Nova York apontou para o FECS que a posição deles era exatamente o oposto dos princípios organizadores do movimento de libertação das mulheres:

Formar grupos exclusivos de mulheres em questões que não sejam os direitos e a libertação das mulheres é reacionário. Faz parte dos projetos da supremacia masculina manter as mulheres segregadas, excluídas e “em seu lugar”. Somente se o objetivo declarado de um grupo de mulheres é lutar contra o rebaixamento das mulheres a uma posição e status separados, em outras palavras, lutar pela libertação das mulheres, somente então um grupo separado de mulheres adquirirá um caráter revolucionário invés de reacionário. Assim, a separação se torna uma base para o poder, e não um símbolo de impotência (…) somos oprimidas de outras maneiras além do fato de sermos mulheres (…) temos que lutar por outros problemas também. Quando organizarmos questões da classe trabalhadora, no entanto, estaremos nos organizando como trabalhadoras, não como mulheres (…) a menos que, é claro, tenhamos de formar grupos de mulheres nos sindicatos para conquistar nossos direitos nesses sindicatos. Mas isso seria uma questão de direitos das mulheres e, portanto, exigiria um grupo de mulheres separado (e base de poder). Se não conseguirmos conquistar nossos direitos nas organizações gerais, formaremos novas organizações gerais abertas aos homens que aceitam nossas demandas. Organizações como Mulheres pela Paz, Mulheres pelas Escolas, e mesmo um Grupo de Ação de Mulheres que não consegue lidar de maneira aberta e direta com a opressão particular das mulheres, são basicamente formações de “auxiliares femininas”. A palavra radical quando aplicada a essas organizações é uma contradição em termos. Elas servem para dar às mulheres “algo para fazer” sem balançar o barco supremacista masculino. Exigimos que o FECS pare de organizar essas auxiliares, chamando isso de ‘libertação das mulheres’.” (Kathie Amatniek for New York Radical Women, NY Women’s Liberation newsletter, 5/1/69)

Os eventos do início da década de 1970 efetivamente resolveram a discussão sobre se deveria haver grupos de libertação de mulheres do sexo feminino. Esses grupos estavam de fato surgindo em todos os Estados Unidos e em muitas outras partes do mundo. Mas, embora as suposições políticas das primeiras mulheres radicais se mostrassem corretas, grande parte de sua análise da função de um movimento separado de mulheres se perdeu. Em um retrocesso irônico aos velhos tempos dos clubes femininos, muitos grupos de mulheres começaram a ser vistos como fins em si mesmos – lugares para socializar, fazer amizades e autodesenvolvimento.

Antigas oponentes começaram a lutar de uma nova maneira, aceitando as ideias que haviam se mostrado tão populares e depois revisando-as. Muitas mulheres na política liberal, por exemplo, fizeram uso do slogan “A Irmandade é Poderosa” para tentar organizar mulheres em torno de questões não-feministas, formando grupos de mulheres contra a guerra, a pobreza, o imperialismo ou a exploração do consumidor. O argumento delas, que ainda hoje é verdade, era que as mulheres são afetadas e devem lutar contra todos os tipos de repressão e exploração. No entanto, o uso do grupo de mulheres para fazer isso – em vez de lutar por grupos mistos em torno dessas questões com participação plena e igual para as mulheres – foi oportunisticamente baseado no apelo generalizado da libertação das mulheres.

Como o revisionismo da teoria feminista se tornou cada vez mais um problema no movimento de libertação das mulheres, a questão separatista ficou ainda mais distorcida. Nos últimos anos, foi elaborada uma ideologia que torna a separação sexual não uma tática, uma estratégia, nem mesmo um compromisso com uma situação ruim, mas um objetivo-fim. Assim, a reescrita da teoria feminista e especificamente da questão separatista alcançou um círculo completo de volta ao ponto em que as mulheres devem mais uma vez ser eternamente definidas por seu sexo.

Um dos exemplos mais marcantes desse separatismo reacionário é o elogio dado ao livro “O primeiro sexo”, de Elizabeth Gould Davis. Este livro tenta provar a existência e superioridade de uma civilização matriarcal antiga (regra baseada significativamente na boa e velha maternidade) e pede um retorno ao matriarcado:

“Na nova ciência do século XXI, não a força física, mas a força espiritual liderará o caminho. Os dons mentais e espirituais serão mais procurados que os dons de natureza física (…) E nessa esfera a mulher voltará a predominar. Aquela que foi reverenciada e adorada pelo homem primitivo por causa de seu poder de ver o invisível será mais uma vez o pivô – não como sexo, mas como mulher divina – sobre quem a próxima civilização, como antigamente, giraria.” (Davis, O Primeiro Sexo, p. 339)

Alguém poderia se perguntar sobre o que aconteceria às mulheres, no mundo de Davis, que estão cansadas da pressão de serem divinas, de serem mulheres em sua “esfera” especial e que querem simplesmente ser aceitas como humanas.

O trabalho de Jill Johnston é outro exemplo. Ela endossa a visão de Davis de um futuro matriarcal em seu livro “Nação Lésbica: A Solução Feminista”, um livro que revisa a definição de feminista como lésbica, exatamente no título. Ela vai além:

“A palavra lésbica é expandida tanto por definição política que não deve mais se referir exclusivamente a uma mulher simplesmente em relação sexual com outra mulher (…) A palavra agora é um termo genérico que significa ativismo e resistência, e o objetivo previsto do estado de comprometimento de uma mulher. A essência da nova definição política é o agrupamento de pares. Mulheres e homens não são iguais e muitas pessoas duvidam seriamente de que possamos ser.” (Johnston, Nação Lésbica, p. 278)

Johnston e outras cujo objetivo é a segregação (“grupo de pares”) atacaram mulheres que não compartilham esse objetivo e que estão lutando ativamente contra exclusões baseadas no sexo. Elas reclamam que as feministas se veem como mulheres apenas em relação aos homens:

“Todas as questões feministas – aborto, puericultura, prostituição, representação política, remuneração igual – estão relacionadas ao homem. Em outras palavras, em relação à sexualidade reprodutiva.” (Nação lésbica, pág. 152)

Embora seja difícil ver o que a representação política e a remuneração igual têm a ver com a sexualidade reprodutiva, o ponto geral sobre os homens e o ponto específico sobre questões relacionadas à sexualidade reprodutiva são verdadeiros. Mas isso não é uma contradição no feminismo; antes, é o seu coração. As feministas vêem as mulheres como uma classe oprimida, uma classe que só pode existir em relação a outra classe opressora, os homens e com um objetivo – a exploração do trabalho, que no caso das mulheres também significa trabalho reprodutivo. O único objetivo radical é a eliminação de todas as classes.

Relacionada a este revisionismo da teoria feminista radical do separatismo, está a tentativa de transformar a estratégia feminista de ação política em ação pessoal. Foi o feminismo radical que apontou a necessidade das mulheres passarem de soluções pessoais para soluções políticas para nossos problemas. Separar dos homens na vida individual de alguém não fazia parte dessa estratégia política, isso caía no campo da ação individual e não na ação coletiva. As táticas específicas para a luta de libertação que as mulheres usavam enquanto indivíduos em suas vidas pessoais e circunstâncias particulares poderiam ser melhor determinadas pelas próprias mulheres. A atual insistência em algumas partes do movimento de que as mulheres provam seu feminismo deixando seus homens, enquanto outras são vistas como mais “radicais”, representa realmente uma limitação de táticas e um tipo de acomodação. Para aquelas que aceitam a idéia de que a supremacia masculina é incurável e, portanto, permanente, só pode haver duas alternativas: viver com ela ou se afastar dela. Elas então pressionam as mulheres a aceitarem essa análise e se resignam a uma opção ou à outra.

Felizmente, a aceitação de classes sexuais permanentes não enganou as massas de mulheres que tiveram acesso ao feminismo real por um período muito curto a desistir tão facilmente. Ação e organização ainda resultam das idéias energizantes das feministas radicais pioneiras. Mas o enfraquecimento do feminismo radical pela segunda fase revisionista do movimento impediu temporariamente o desenvolvimento de uma nova teoria feminista e, assim, a abertura de novos caminhos na luta pela libertação das mulheres.

Isso pode ser parcialmente visto como resultado do carreirismo no movimento. As feministas, durante muito tempo, entenderam a importância de conseguir mais empregos para as mulheres. Mas não diferenciamos suficientemente entre a natureza progressiva da abertura de campos no mercado de trabalho e o perigo de criar empregos de “movimento” financiados pelo establishment (por exemplo, professoras de estudos femininos, escritoras de “libertação feminina” etc.) que dariam às mulheres uma aposta em perpetuar o movimento para sempre, transformando-o, na verdade, de um movimento para apenas outra arena da sociedade estabelecida.

Aqui, há uma lição a ser aprendida da história. As radicais do século XIX do movimento pelos direitos das mulheres acionaram um século inteiro de fomentação e ação. Mas as sufragistas conservadoras que vieram mais tarde, a segunda fase desse movimento, não forneceriam ou não puderam fornecer a liderança necessária para concentrar toda essa ação e mantê-la em andamento – na verdade, foram fundamentais para interromper a ação. Curiosamente, uma das áreas em que elas erraram foi em aceitar a ideia de “esfera da mulher” – em outras palavras, separatismo reacionário; elas diziam, por exemplo, que as mulheres deveriam votar não apenas porque eram pessoas e tinham o mesmo direito de votar como homens, mas porque tinham qualidades femininas especiais que as tornariam ótimas “donas de casa do mundo” e guardiãs da pureza política . Não se pode sustentar um movimento nesse tipo de mito, em qualquer nova versão das antigas mentiras sobre as mulheres. O pedestal ainda é irreal e, de qualquer forma, dificilmente substitui a libertação.

Quais são as implicações de toda essa teoria e experiência para a atual estratégia de feministas radicais? O objetivo estabelecido na década de 1960 era construir uma base de poder de mulheres para atacar os poderosos bastiões segregados da supremacia masculina. As mulheres estavam lutando por uma nova sociedade que garantisse a plena integração com base na igualdade. Houve uma tremenda resistência contra a construção de uma base de poder, mas o movimento de mulheres foi capaz de avançar enormemente no sentido de alcançar essa parte da meta. O problema agora é colocar a base de poder para os propósitos integracionistas originalmente pretendidos, e novamente a resistência é forte. Se deve haver um movimento de mulheres, a supremacia masculina prefere vê-lo permanecer separado e desigual. A história a seguir da vida de uma maestro de orquestra pioneira, Antonia Brico, ilustra o ponto:

“Um dia, um grupo de mulheres veio até mim (…) acho que eram nove, e elas queriam que eu as regesse em um pequeno conjunto. E fiz a observação (…) ah!, e que observação! (…) ‘Se nove mulheres podem tocar juntas, por que não noventa?’. Então, fundei a Sinfonia Feminina de Nova York. Então, reuni um grupo de mulheres-chave e disse: ‘Quantas mulheres musicistas existem em Nova York?’; ‘Ah’, elas disseram,’ existem aos montes, mas elas não têm oportunidade de tocar em orquestras’. Eu disse: ‘Nós vamos ver isso’. Então, reuni o Times e o Herald Tribune e disse que iria formar uma Sinfonia Feminina e que íamos anunciar e ver o que acontecia. Bem, elas começaram a vir de todos os lados, espanando seus instrumentos. Eles diziam “você nunca conseguirá instrumentos suficientes”, mas eu consegui. O conjunto completo complementa a orquestra de 100 peças – trompas, trombones, tudo.

Elas vieram de todos os lugares e colamos papéis em todo lado. Fizemos nosso primeiro show na prefeitura e foi gratuito, apenas para interessar as pessoas e receber a imprensa. E então reunimos um comitê que estava incrivelmente empolgado e eu falei sobre isso e aquele almoço e tudo mais e a sra. Roosevelt deu seu nome como uma das patrocinadoras (…)

Foi um grande sucesso e causou uma grande sensação. Em seguida, os comitês se reuniram e formaram um Conselho de Administração, e a Sinfonia Feminina de Nova York esteve no mercado por vários anos.

Tínhamos patrocinadores e vendemos muitos ingressos. Finalmente, eu disse “certo; contudo, quero que as pessoas se misturem nas orquestras como na vida – homens e mulheres se misturam na vida e deveriam se misturar nas orquestras. E então mudei para uma orquestra mista. Então eles disseram que não havia mais aquela sensação – o Conselho de Administração não estava mais interessado.” (de Antonia, um filme de Judy Collins e Jill Godmilow)

Os esforços de Antonia Brico eram aceitáveis ​​desde que ela se limitasse a provar que as mulheres eram musicistas qualificadas. Ela não teve problemas para encontrar 100 mulheres que pudessem tocar em uma orquestra ou em conseguir apoio financeiro para isso. Mas encontrar apoio para que homens e mulheres tocassem juntos em uma orquestra verdadeiramente integrada mostrou-se impossível. Lutar pela integração provou ser mais uma ameaça à supremacia masculina e, portanto, mais difícil de alcançar.

O movimento de mulheres está no mesmo ponto agora. Podemos pegar o caminho mais fácil, o de aceitar a segregação, mas isso significaria perder os mesmos objetivos para os quais o movimento foi formado. O separatismo reacionário tem sido uma maneira de deter o impulso do feminismo. Construir uma base de poder separada e pressionar pela integração são necessários para a vitória da libertação das mulheres. Os grupos de mulheres são progressivos apenas se existirem com o objetivo de se tornarem desnecessários.


Texto de Barbara Leon, 1975, em “Revolução Feminista” (livro publicado pelas Redstockings), tradução de Aline Rossi