Sobre ser contra o Pornô

O conceito de “dignidade humana” foi introduzido pela primeira vez na Declaração Universal de Direitos Humanos, que pode ser considerado o documento fundamental usado para embasar as diversas legislações sobre direitos humanos ao redor do mundo.

Dignidade

Depois do horror do Holocausto, a Alemanha fez questão de enfatizar com bastante força o conceito de dignidade humana em suas legislações. A primeira cláusula da Constituição Alemã é puramente a frase “a dignidade do homem é inviolável”. Homem nesse caso abarca o conceito de se tratar de todos os seres humanos.

Apesar da corte Alemã não se pautar somente nesse direito nos casos que julga, o mesmo vem sendo evocado em situações em que qualquer ação que possa ferir a dignidade de qualquer ser humano.

“Respeita a dignidade humana. A dignidade humana importa.”

Após os acontecimentos de 11/9 nos EUA, o Governo Alemão aprovou uma legislação que poderia garantir ao Secretário de Defesa o direito de usar arsenais de armas militares contra aeronaves que apresentassem algum tipo de ameaça a civis. Um dos argumentos usados contra essa lei foi justamente o de que o princípio da dignidade humana assegura que as vidas dos passageiros embarcados nas aeronaves não têm valor menor do que as vidas daqueles que se encontram em terra.

A indústria da pornografia é uma das maiores e mais lucrativas empresas do capitalismo. Ganha lucros absurdos diariamente abusando mulheres, garotas, garotos, homens. Pornografia viola os corpos das atrizes e atores que a performam, expõe crianças a violências através da produção de fotos e vídeos que podem ser facilmente acessados pela internet, estabelece um vício cientificamente comprovado e causa um enorme impacto social negativo para a classe de seres humanos conhecida como mulher.

Pode-se dizer que o último sintoma dos efeitos da pornografia mencionado acima colide diretamente com a dignidade das mulheres.

Sobre o caso da Alemanha, parte do argumento contra a legislação que tentaram passar é o de que nenhum objetivo a ser alcançado justifica o desrespeito à dignidade humana. A Procuradoria argumentou que os passageiros de aeronaves não podem ser tratados como “meros objetos em operação de resgate para a proteção de terceiros.”

Na pornografia mulheres são tratadas exatamente como são consideradas: objetos.

Inúmeros atos que são considerados tortura por diversas leis internacionais, como o afogamento simulado, são considerados práticas apropriadas para submeter mulheres que estão na pornografia. Não há reflexão feita acerca da mensagem que isso envia a milhares de mulheres que podem assistir ou serem expostas a esse tipo de violência degradante da pornografia. Também não se considera a violação da dignidade humana a qual essas mulheres e garotas estão sujeitas.

Além disso, não há nenhum tipo de consideração a respeito dos males que a pornografia causa à sociedade, desde o aumento de bullying em escolas através de sexting, em que cada vez mais garotas estão sendo pressionadas a enviar fotos íntimas a parceiros do sexo masculino, até ao crescimento de imposições que mulheres estão sofrendo, como coação (em larga escala) a se submeterem a práticas sexuais degradantes que são propagadas pela pornografia extrema.

“O pornô irá nos dilacerar.”

Os argumentos contra o caso alemão na tentativa de passar uma lei após os ataques de 11/9 não foram baseados somente no princípio da dignidade humana, no entanto, esse argumento chamou a atenção para um ponto interessante. A Corte decidiu que o uso de arsenal de armas militares para abater aeronaves que transportam civis não pode ser permitido, mas usá-los contra aviões sem pilotos ou aviões transportando somente sequestradores sim.

Uma das razões chave pelas quais armamentos não podem ser usados contra civis é justamente porque eles não podem ser “objetificados” por não poderem mudar seus destinos, o que significa que abatê-los infringiria suas dignidades.

Usando a linguagem da Corte, “sequestradores não seriam objetificados” uma vez que são capazes de mudar o curso de suas ações, portanto, agir contra eles é permitido.

Os passageiros mantidos como reféns não tem capacidade de escolher.

Muitas mulheres que entram para a pornografia não são capazes de mudar os próprios destinos, seja devido a suas situações econômicas, relacionamentos pessoais exploradores, vício em drogas, ou por serem agredidas ou coagidas. Não é nem um pouco incomum mulheres e garotas serem mantidas reféns e serem forçadas a fazer pornografia que posteriormente serão postadas na internet ou transmitidas ao vivo por câmeras.

Algumas mulheres que aparecem filmadas em sites mainstream de pornografia, como o PornHub, são mulheres que foram traficadas, ou foram sexualmente abusadas na infância, e que foram estupradas em frente às câmeras para o deleite de todos que estão assistindo.

A defesa da pornografia é tipicamente a propaganda de ser consensual, um falso conceito na sociedade que não permite às mulheres a darem consentimento real a praticamente nada. Mesmo quando queremos acreditar que todos envolvidos na pornografia deram livre consentimento, as mulheres que são afetadas pelo pornô, que são todas as mulheres da sociedade, não têm liberdade de consentir com todos os males gerados pela pornografia na mesma.

Não há o que questionar sobre a pornografia degradante estar se espalhando como um vírus pela internet nos dias de hoje, e mulheres são rotineiramente objetificadas por causa disso. Mulheres são regularmente amarradas, aprisionadas, torturadas, chicoteadas, urinam nelas, são asfixiadas, machucadas, estapeadas, chutadas e submetidas as práticas ainda piores para satisfazer os desejos de uma audiência que em sua maioria é constituída por homens.

Um estudo feito por alunos da Universidade de Princetown, intitulado The Social Cost of Pornography (O Custo Social da Pornografia, em tradução livre), mostrou que homens consumidores de pornografia têm tendências maiores de cometerem violências contra mulheres, e costumam acreditar que mulheres gostam de ser estupradas. O estudo descobriu também que homens que assistem pornografia regularmente tendem a ser mais agressivos sexualmente na vida real.

Não é apenas a violência promovida que afeta negativamente as vidas das mulheres, a pornografia tem outros efeitos bem notáveis em como a classe sexual feminina é retratada na cultura. Há um grande aumento na noção de que mulheres são objetos à disposição para satisfazer desejos sexuais, e a demanda na exigência da participação de mulheres em atos sexuais abusivos está crescendo, o respeito à autonomia corporal das mulheres está diminuindo, e as mulheres estão sujeitas a humilhação caso seus corpos não se encaixem aos ideais pornôs.

“O pornô mata o amor.”

Essas consequências impactam profundamente a classe inteira de mulheres, já que elas infringem diretamente direitos fundamentais da Declaração Internacional de Direitos Humanos, entre eles a “dignidade humana inviolável” das mulheres.

Já existe esse precedente na legislação Alemã, e deve existir em outras legislações mundo afora também, principalmente se considerarmos os critérios que muitos alunos, médicos, advogados e acadêmicos às vezes usam como guia ao refletir sobre o que seria eticamente permitido, a chamada Doutrina do Duplo Efeito. Essa doutrina sustenta que há situações em determinados contextos em que é moralmente permitido existir consequências negativas, que, embora previstas, não foram intencionais, mas que poderiam ser julgadas como imorais caso essas consequências fossem pretendidas intencionalmente.

Por mais que pareça cheio de linguagem jurídica e jargões, leve isso em consideração.

Essa doutrina já foi anteriormente interpretada de forma a se decidir contra uma pessoa ou organismo que prevê os efeitos negativos na dignidade humana, alegando que suas consequências podem trazer benefícios próprios. Na verdade, foi aplicada dessa forma pelo filósofo Warren Quinn ao considerar dois casos hipotéticos, O Bombardeamento Estratégico contra O Bombardeamento Terrorista.

No caso do Bombardeamento Estratégico, um piloto joga bombas sobre uma fábrica de munições, prevendo as mortes daqueles que moram nas redondezas como uma consequência de suas ações. Ele não tem intenções de matar civis, mas sabe que isso pode ser consequência na ação que deve tomar.

No caso do Bombardeamento Terrorista, por outro lado, um terrorista mata intencionalmente civis inocentes, na tentativa de fazer o Governo ceder a suas exigências. Sem as mortes dos civis suas exigências não seriam tão efetivas.

No primeiro caso, as ações do Bombardeamento Estratégico permitem a sobreposição à dignidade humana, enquanto que no segundo caso não. Não há permissibilidade no segundo caso porque a justificativa é de que a morte de civis é necessária, isto é, a violação de suas dignidades, para o terrorismo ser efetivo. Isso de “um sujeito está sendo usado por outro sujeito para se cumprir um propósito”, no caso da pornografia, a degradação de mulheres, a “objetificação” é vital para o lucro dos pornógrafos.

Se as mulheres não fossem objetificadas, não haveria lucros, portanto, os pornógrafos não lucram meramente pela objetificação de mulheres, para eles é vital que mulheres sejam objetificadas.

“Objetificada”

Esse é um argumento, a dignidade humana das mulheres poderia ser evocada para desafiar os males e a negação da dignidade que os pornógrafos infligem sobre mulheres. Isso poderia ser desafiador para tribunais que usam a Declaração Universal de Direitos Humanos como trampolim para decidir um possível caso.

A questão central contra a pornografia continua a mesma, não importa que lei seja testada em qualquer país: a violação fundamental da dignidade humana de mulheres e garotas, considerada inviolável.

Como a Declaração Universal dos Direitos Humanos apontou a importância da dignidade humana, e que essa é um documento importante para direcionar a criação de diversas leis sobre direitos humanos da era moderna, já é tempo de alguém, ou o corpo de alguém, usar isso contra pornógrafos.

Os males causados pela pornografia são imensuráveis. Desde a degradação da intimidade entre os sexos, passando pelas lesões provocadas por aqueles que reproduzem práticas retiradas da pornografia extremista, até ao aumento de bullying em lugares de convivência, a erosão da confiança em seus próprios corpos em garotas, ao pico de violências sexuais, e à crescente escalada do vício em pornô, os tentáculos da pornografia atinge incomensuráveis áreas.

Abrangendo tudo, esse é o horroroso impacto da pornografia sobre a classe sexual mulheres. Pornô diminui o valor de mulheres e garotas na sociedade. Fundamentalmente infringe a dignidade humana de cada mulher e garota e, por essa razão, deveria ser mandatório que cada pornógrafo seja chamado para um julgamento legal.

Para as mulheres, para as garotas, e pelo bem da nossa sociedade, esse dia pode não chegar cedo o suficiente.


Texto escrito por Thain Parnell, em 8 de fevereiro de 2019. Original pode ser lido aqui.

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