Somos todas Margaridas
Margarida Alves, sindicalista

Morre cruelmente assassinada, em 1983, na porta de sua casa em Alagoa Grande, no estado da Paraíba, Margarida Alves, sindicalista que lutou pelos direitos básicos dos trabalhadores rurais, entrando em choque com os interesses dos grandes proprietários da maior usina de açúcar da região (Usina Tanques). Durante o período em que esteve à frente do sindicato local de sua cidade, foi responsável por mais de cem ações trabalhistas na justiça do trabalho regional, a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado da Paraíba durante a ditadura militar. O dia de sua morte — 12 de agosto — ingressou para a história das mulheres do Brasil como um importante marco da resistência feminina no movimento sindical, ela também foi a primeira presidenta de um Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Um de seus principais lemas era “é melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Margarida foi assassinada na frente do marido e do filho pequeno, por volta das 17h30, por um matador de aluguel com uma escopeta calibre 12. O tiro atingiu seu rosto, deformando sua face.

“Dia 12 de agosto nasceu um sol diferente/um aspecto de tristeza, o sol frio em vez de quente/era Deus dando o sinal da morte de uma inocente (…) Jesus Cristo deu a vida pra redimir os pecados/Tiradentes pela pátria foi morto e esquartejado/Margarida na defesa dos pobres e necessitados” Maria da Soledade Leite (poeta, repentista e amiga de Margarida)

Em um dos seus vários discursos, o de comemoração pelo 1° de maio (Dia do Trabalhador), três meses antes de ser assassinada, ela disse “da luta eu não fujo”, frase que posteriormente foi gravada em umas das paredes da antiga casa de Margarida Alves, que se transformou em museu, em 2001. Na construção simples, uma geladeira azul que foi da camponesa ainda está guardada. Nos quatro cômodos da casinha também estão à vista documentos da época em que Margarida liderava o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, atas de reuniões, instrumentos usados pelos trabalhadores no corte da cana-de-açúcar para as usinas, fotos e objetos pessoais: uma camisa branca com bordado de flores, os óculos, o chapéu usado por ela quando visitava os trabalhadores na roça e uma bolsa.

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Casa/Museu de Margarida em Alagoa Grande

Diante de tamanha crueldade e covardia, a Marcha foi criada, em 2000, em homenagem a ela, que se transformou num símbolo da luta por direitos iguais às mulheres do campo. E, a cada quatro anos, milhares de margaridas de todos campos e florestas do país vão a Brasília para juntas marcharem por justiça, igualdade e paz no campo, além de dar visibilidade, reconhecimento da categoria trabalhadora rural e avançar nas políticas públicas. Em 2019 acontece a 6ª Marcha das Margaridas, com o lema “Margaridas na Luta por um Brasil com Soberania Popular, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência”; coordenada pela Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), federações estaduais e sindicatos rurais, a Marcha conta com a parceria dos movimentos feministas, de mulheres e organizações da sociedade civil.

A líder sindical foi bastante influente na região, incentivando as trabalhadoras e os trabalhadores rurais a buscarem, na Justiça, a garantia de seus direitos protegidos pela legislação trabalhista, tais como o registro formal em CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social), o 13º salário, a jornada de trabalho de oito horas e férias. A sua atuação política incomodava, e muito, os latifundiários, os patrões lhe faziam ameaças, tentando pressioná-la a deixar o sindicato. Assim mesmo, ela construiu uma trajetória marcada pela luta contra as injustiças sociais e o analfabetismo, tendo fundado, enquanto esteve à frente do sindicato, o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural.

A primeira Marcha das Margaridas foi realizada no ano de 2000, em Brasília, sob o lema “2000 Razões Para Marchar: Contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista”, reunindo mais de 20 mil mulheres trabalhadoras rurais, que denunciaram o modelo de desenvolvimento neoliberal, que condicionou principalmente as mulheres trabalhadoras a uma vida de discriminação, pobreza, violência e exclusão social. A pauta do evento fez constar debates sobre as políticas públicas voltadas à documentação, ao acesso à terra, à Agroecologia, ao enfrentamento à violência sexista e a outras formas de discriminação e violência no campo, saúde pública com assistência integral à mulher e políticas permanentes de recuperação do salário no campo (FETAG, 2015:10).

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Da primeira marcha, que não contou com mais de vinte mil mulheres, para a última, em 2015, que chegou a contar com 100.000 Margaridas, tornou-se a maior mobilização de mulheres da América Latina. Desse modo, as Margaridas formam um movimento constituído de mulheres jovens, idosas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras, extrativistas, quebradeiras de coco, assentadas da reforma agrária, assalariadas rurais, agricultoras familiares e camponesas, em busca de dignidade da pessoa humana.

Suas principais reivindicações das Margaridas: 1) paridade na gestão participativa e democrática de gênero nos sindicatos, ou seja, composição de diretorias efetiva e executiva com 50% de participação de mulheres, obrigatoriamente; 2) reafirmação do protagonismo e visibilidade à contribuição econômica, política e social das mulheres do campo, da floresta e das águas na construção de um novo processo de desenvolvimento rural voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente; 3) crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico, a partir de uma perspectiva feminista; 4) protesto contra as causas estruturantes da insegurança alimentar e nutricional que precisam ser enfrentadas para a garantia do direito humano à alimentação adequada e da soberania alimentar; 5) denúncia e protesto contra todas as formas de violência, exploração e discriminação e avanço na construção da igualdade para as mulheres.

A agroecologia, um dos principais eixos de ação das Margaridas na atualidade, se apresenta como um modo de produzir, relacionar-se e viver na agricultura baseada em relações respeitosas e igualitárias entre homens, mulheres, jovens, idosas e destas/es com a natureza. Isso significa respeito à diversidade de tradições, culturas, saberes, bem como a proteção à sociobiodiversidade, ao patrimônio genético e aos bens comuns. Os males que os agrotóxicos causam à saúde são irreparáveis, sobretudo quando se fala da produção e do consumo de alimentos. Por esse motivo a produção de alimentos saudáveis e a soberania e segurança alimentar e nutricional são pontos prioritários na agenda das mulheres. Para além dos inúmeros adoecimentos causados pelo uso dos agrotóxicos, é preciso registrar o seu efeito devastador sobre os ecossistemas e a biodiversidade, comprometendo de modo irreversível as práticas sustentáveis agroecológicas e a vida. A relação das mulheres com as sementes é histórica, desde os primórdios da agricultura, no ato da seleção, domesticação e cultivo. Mesmo com o processo da homogeneização e padronização do processo produtivo pela agricultura industrial e, no período mais recente, a biotecnologia, as mulheres camponesas vêm contribuindo para a preservação das variedades de sementes, no incentivo à guarda e à troca de sementes.

Sem organização, sem diálogo, sem aprendizado, nós, mulheres, ficamos fracas e isoladas, cada uma na sua família, na sua comunidade, no seu sindicato, sofrendo com problemas, exploração, discriminação, violência e injustiça e sem poder fazer quase nada, apenas arrumando força para resistir. Pois, sozinhas somos mais fracas e juntas somos mais fortes. A história de Margarida Alves precisa repercutir para todo o mundo como mais um exemplo de luta por um mundo igualitário, sem nenhuma opressão. Ela representa a força, a coragem, a libertação e a sabedoria dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Conhecer a vida de Margarida e sua força de mobilização nos impulsiona a seguir em frente, seguir marchando e só parar quando todas estiverem livres.

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