O presente texto é uma compilação e expansão de textos, notas e comentários retirados da palestra de Kathie durante a Primeira Convenção Nacional de Comissárias de Bordo sobre alavancar consciências, em 12 de março de 1973 em Nova York. Sarachild delineou o programa original para “Alavancar Consciências sobre o Feminismo Radical”, apresentado na Primeira Conferência Nacional para a emancipação da Mulher a ser realizada fora de Chicago, em 27 de novembro de 1968.
A IDEIA
Para que possamos compreender o que significaria “alavancar consciências” é necessário lembrar de que o início se deve a um projeto entre mulheres que se consideravam radicais.
Antes de avançarmos, vamos examinar a palavra “radical”. Essa palavra normalmente é associada a extremismo, mas na verdade não é isso que a palavra significa. O dicionário define radical como raiz, proveniente da palavra latina para raiz. E é isso o que queremos dizer quando nos chamamos de radical.
Nós estávamos interessadas em chegas às raízes dos problemas na sociedade. Pode-se dizer que queríamos arrancar pelas raízes as ervas daninhas do jardim e não apenas arrancar as folhas superficiais para fazer com que as coisas ficassem mais bonitas momentaneamente. O Movimento de Libertação das Mulheres (MLM) era liderado por mulheres que se consideravam radicais, nesse sentido da palavra.
Nosso objetivo em formar um grupo pela libertação das mulheres era de dar início a um movimento massivo de mulheres para colocar um fim à segregação e discriminação baseada no sexo. Nós sabíamos que o pensamento e a ação radical seriam necessários para alcançar tal objetivo. Nós também acreditávamos que seria necessário formar grupos de Libertação das Mulheres que excluíssem os homens das reuniões.
Para uma abordagem radical, para chegar à raiz, parecia lógico que tínhamos que estudar a situação da mulher, não apenas agir aleatoriamente. A melhor ideia de como conseguir isso surgiu em um dos grupos do MLM do qual participo — o Grupo de Mulheres Radicais de Nova York, um dos primeiros do país. Estávamos planejando nossa primeira ação pública e iniciamos uma discussão sobre o que fazer em seguida. Uma mulher do grupo, Ann Forer, se pronunciou: “Eu acho que temos muito ainda a fazer quanto a alavancar consciências”. “Alavancar consciências?”, eu me perguntava o que ela queria dizer com isso. Eu nunca tinha ouvido esse termo sendo usado relativamente às mulheres.
“Comecei a pensar na mulher como um grupo oprimido há pouco”, ela continuou, “e a cada dia que passa aprendo mais sobre isso — minha consciência aumenta”.
Não considero que eu própria tenha começado a pensar na opressão da mulher há pouco. Na verdade, considero que tenho pensado e lido sobre isso há muito tempo. Mas quando Ann conseguiu expressar de forma a exemplificar algo que ela tinha percebido, isso se tornou, também para mim, um jeito mais profundo de olhar a questão.
“Eu penso muito sobre isso de ser atraente”, ela disse, “mas as pessoas não acham o verdadeiro eu das mulheres atraentes”. Ela seguiu dando exemplos. E eu fiquei ali, ouvindo-a descrever todos os papéis que as mulheres são forçadas a representar: se fazer de burra, sempre se apresentar de forma agradável, sempre sendo amáveis, sem mencionar tudo o que temos que fazer com nossos corpos, com roupas e sapatos que temos que vestir, as dietas que temos que seguir, ficando cegas por não usarmos óculos, tudo porque os homens não acham o nosso eu verdadeiro, nossa liberdade humana, nossa simples humanidade, “atraente”.
Então eu percebi que ainda poderia aprender mais sobre como entender e descrever as opressões específicas que sofremos de forma a alcançar outras mulheres do mesmo jeito que tinha acontecido comigo. O grupo, tanto quanto eu, ficou emocionado e decidimos naquele momento de que precisávamos — usando as palavras de Ann — alavancar um pouco mais a nossa conscientização.
No encontro seguinte, houve uma discussão sobre como alcançar esse objetivo. Uma mulher — Peggy Dobbins — declarou que o que ela gostaria de fazer era conduzir um estudo intensivo na literatura para descobrir se realmente há diferenças biológicas entre homens e mulheres. Eu fiquei indignada com essa sugestão.
“Eu acho que será uma perda de tempo”, afirmei. “Para cada estudo científico que utilizamos, a oposição cita outros tantos. Além do mais, a questão é sobre o que nós queremos ser, o que nós achamos que somos e não o que algumas autoridades afirmam que nós somos em nome da ciência. É cientificamente impossível afirmar quais são as diferenças biológicas entre homens e mulheres — se há outras além das diferenças óbvias — enquanto os fatores sociais e políticos não forem os mesmos para homens e mulheres. Tudo o que nós temos que saber, que temos que provar, nós podemos retirar da realidade das nossas vidas. Por exemplo, na questão sobre a inteligência das mulheres. Nós sabemos, por experiência própria, que nós nos fazemos de burras porque se nos mostrarmos muito inteligentes os homens não gostarão de nós. Eu sei que isso é verdade porque já fiz isso. Todas nós já fizemos isso. Portanto, podemos simplesmente deduzir que as mulheres são mais inteligentes do que os homens imaginam, e mais inteligentes do que imaginam todos aqueles que conduzem estudos e que há muitas mulheres que são mais inteligentes do que aparentam ser e mais inteligentes do que qualquer outra pessoa, além do que elas e alguns de seus amigos possam imaginar”.
No final, o grupo decidiu trabalhar o alavancar de consciências estudando a vida de mulheres em tópicos, como infância, trabalho, maternidade etc. Nós faríamos todas as leituras adicionais que quiséssemos e que julgássemos importantes. Mas o nosso ponto de partida para discussões, assim como o nosso teste para verificar a veracidade do que encontrávamos nos livros, seriam as experiências reais que tínhamos nessas áreas. Por sugestão de Ann Forer, uma das perguntas que orientaria todos os nossos estudos seria: quem e o que tem interesse na manutenção da opressão em nossas vidas.
Nós decidimos que os tipos de ações que o grupo deveria se engajar, nesse momento, conforme ideia de outra mulher do grupo, Carol Hanish, seriam ações que levassem a um aumento de conscientização das pessoas. Ações trazidas para o público com o propósito deliberado de desafiar velhas ideias e propor outras novas, ou seja, os mesmos assuntos feministas que estávamos nós mesmas aprendendo.
Decidimos que o nosso papel não era ser uma “organização de serviços” nem uma “organização para membros”. O que discutíamos que seríamos era de fato um grupo de ação direta, de agitação política e de educação, similar ao que havia sido o Comitê Coordenador Estudantil de Não-Violência (S.N.C.C). Nós seríamos as primeiras a ousar dizer e fazer o impensável: o que as mulheres realmente sentiam e queriam. A primeira coisa a fazer agora era alavancar consciências e entendimento, em nós mesmas e nos outros, consciência essa que impelisse às pessoas a se organizarem e agirem em larga escala coletivamente.
O método científico da nossa pesquisa foi baseado na decisão de enfatizar nossos próprios sentimentos e vivências como mulheres e colocar a teste todas as generalizações e leituras que havíamos feito a partir da nossa própria experiência. Na verdade, estávamos repetindo o desafio que a ciência fez à Escolástica no século XVII: “estude a natureza, não os livros”, e coloque todas as teorias à prova das práticas de vida e de ação. Foi também um método radical de organização testados por outras revoluções. Estávamos aplicando às mulheres e a nós mesmas na condição de organizadoras do Movimento de Libertação das Mulheres uma prática que uma grande parte de nós tínhamos aprendido como organizadoras do Movimento pelos Direitos Civis no Sul [dos Estados Unidos] no início dos anos 60.
Alavancar consciências — estudando toda a gama da vida de mulheres, começando pela crua realidade de nós mesmas — seria também uma forma de manter o movimento radical, impedindo assim que ele se desviasse para agendas de reformas de questões isoladas e de organização visando resolver um único problema. Seria não só uma forma de fazer com que a teoria das mulheres avançasse, mas também uma forma de lançar a base para alcançar soluções radicais para mulheres, ainda inéditas em todos os cantos.
Parecia claro que entender como as nossas vidas se relacionam com a condição geral das mulheres faria de nós melhores lutadoras em nome de todas as mulheres. Sentíamos que todas teriam que ver a luta das mulheres como uma luta sua e não apenas como uma luta para ajudar “outras mulheres”. Que seria necessário que elas encarassem a verdade sobre a realidade das suas vidas antes de poder lutar radicalmente por qualquer outra mulher.
“Lute contra seus opressores”, disse Stokely Carmichael para os trabalhadores brancos que lutavam pelos seus direitos civis quando o movimento negro começou. “Você não se radicaliza lutando batalhas alheias”, como disse Beverly Jones no seu pioneiro ensaio “A caminho de um movimento pela libertação da mulher”.
A RESISTÊNCIA
O simples fato de mulheres estudarem a sua própria situação encontrou resistência, especialmente por não incluir homens.
No início, nós decidimos estudar para agir melhor. Nós não podíamos imaginar que apenas estudar esse assunto e identificar os problemas seria uma ação radical em si, a ponto de gerar grande e persistente resistência de lados que continuam a me estarrecer.
A resistência geralmente provinha da falta de informação sobre o que estávamos fazendo e, não importava o quanto explicávamos, a incompreensão permanecia. Os métodos e as hipóteses por trás da proposta de alavancar de consciências surgiram tanto da tradição científica quanto da tradição de políticas radicais; e, ao serem aplicados aos problemas das mulheres, várias pessoas “científicas” e “radicais” — especialmente homens — de repente não conseguiam ver o que tentávamos demonstrar.
Inúmeras áreas da vida das mulheres foram taxadas como fora dos limites da discussão. Os tópicos de conversas de nossos grupos foram descartados como sendo “mesquinhos” ou “não políticos”. Geralmente, essas áreas eram consideradas áreas-chaves para se compreender a mulher como um grupo oprimido — como trabalho doméstico, cuidados com crianças e sexo.
Todos, de republicanos a comunistas, concordavam que igualdade salarial era um assunto válido e que merecia apoio. Mas quando mulheres tentaram descobrir por que elas não conseguiam receber a mesma remuneração pelo mesmo trabalho em qualquer lugar, e tentaram observar essas áreas, de repente o que estávamos fazendo não era qualificado como política, economia e nem ao menos estudo, mas “terapia”, algo que as mulheres deveriam resolver elas mesmas individualmente.
Quando começamos a analisar esses problemas à luz do machismo, nós éramos a prova viva do quão retrógradas as mulheres são. Embora já tivéssemos participado de ações políticas radicais e já tivéssemos corrido riscos várias vezes, quando propúnhamos discutir o chauvinismo masculino repentinamente nós éramos apenas mulheres que reclamavam o tempo todo, que se limitavam ao pessoal e nunca entravam em ação.
Algumas pessoas foram diretas em afirmar que o que estávamos fazendo era perigoso. Quando simplesmente mostrávamos exemplos concretos retirados das nossas vidas de discriminação ou exploração contra a mulher, nos acusavam de “odiar homens” ou de “dor de cotovelo”. Essas acusações demonstravam novos esforços para impedir que as ideias que estávamos discutindo fossem aceitas como objetos genuínos de estudo e debate, classificando-as de delírio psicológico.
E quando tentávamos descrever a realidade das nossas vidas de uma determinada forma, não interessava o quão lógica a explicação — por exemplo, quando dizíamos que homens oprimem mulheres, ou que todos os homens se beneficiam da opressão da mulher — algumas pessoas ficavam muito chateadas. “Você não poder dizer que são os homens que oprimem as mulheres! Homens também são oprimidos! E mulheres também discriminam contra mulheres!”. Pode parecer óbvio afirmar que se as mulheres, quando comparadas com os homens, ocupam um status secundário na sociedade e são tratadas como criaturas subordinadas, que então quem se beneficiaria dessa organização seriam aqueles que tem status principal.
Nossas reuniões eram chamadas de “hora do chá”, “festa de despedida de solteira” ou “sessão de reclamação”. Nós respondíamos “sim, vagabundas, irmãs, putas” e passamos a dizer que a hora do chá era uma forma histórica de resistência à opressão. Os xingamentos e ataques eram uma fonte constante de irritação e, às vezes, de incredulidade quando não raro provinham de outros grupos radicais que acreditávamos que dariam às boas-vindas a esse novo movimento de massas de um outro grupo oprimido.
Pior ainda, as mentiras nos impediam de atingir mulheres as quais acreditávamos que teriam gostado de aprender sobre o que realmente estávamos fazendo.
O PROGRAMA
Não se podia negar, no entanto, que nós também estávamos aprendendo enormemente com as reuniões e discussões e que estávamos todas bastante empolgadas.
Dos nossos encontros para alavancar consciências saíam os escritos que estavam a formular o básico da teoria do Movimento de Libertação das Mulheres. Shulamith Firestone, autora do livro A Dialética do Sexo; Anne Koedt, autora do artigo “O Mito do Orgasmo Vaginal”; Pat Mainardi, autora do artigo “As Políticas do Trabalho Doméstico”; Carol Hanish, autora do artigo “O Pessoal é Político”; Kate Millet que escreveu “A Política Sexual”; Cindy Cisler, que liderou a luta pela oposição à lei antiaborto em Nova York; Rosalyn Baxandall, Irene Peslikis, Ellen Willis, Robin Morgan e muitas outras participaram dessas nossas reuniões.
A maioria de nós já se considerava radical; mas nós estávamos começando a descobrir que tínhamos apenas começado a ter uma compreensão radical da mulher — e de outras questões como classe, raça e mudança revolucionária.
O grupo crescia rapidamente. Outras mulheres também se mostravam tão fascinadas quanto nós com a ideia de agir politicamente sobre aspectos das nossas vidas que nem sonhavam que poderiam ser objetos de ação política, que imaginávamos que teríamos de encontrar sozinhas uma melhor forma de lidar com essas questões. A maior parte dessas questões não eram abordadas pela Organização Nacional pelas Mulheres (NOW — National Organization for Women). Seria porque essas questões eram “mesquinhas” ou por que tocavam no cerne da questão ao abordarem áreas de profunda humilhação para as mulheres?
A NOW tampouco estava organizando grupos para alavancar consciências, o que só passou a ocorrer depois de 1968 quando grupos mais novos e mais radicais se formaram, com uma visão de massa. A primeira ação pública do nosso grupo depois da publicação da revista foi uma tentativa de alcançar as massas com nossas ideias sobre aqueles tais “tópicos mesquinhos”: o tópico da aparência.
Nós protestamos contra o concurso Miss América, fizemos manifestações, atiramos na lata de lixo sapatos de salto alto, cintas e outros objetos de tortura para as mulheres. Foi essa iniciativa que despertou uma conscientização generalizada sobre o Movimento de Libertação das Mulheres, que conquistou o interesse do mundo e que deu nome ao movimento.
Nossos grupos de estudos estavam radicalizando nossas próprias consciências e de repente ficou claro que as mulheres poderiam fazer, em massa, o que estávamos fazendo no nosso grupo, e que a próxima ação radical lógica seria divulgar para o mundo o que estávamos fazendo. Esse tipo de estudo faria parte das ações necessárias para alcançar a libertação das mulheres em larga escala.
Um padrão nos obstáculos à conscientização também estava se tornando claro. Desenvolvi, então, um artigo sobre isso — sobre como esses assuntos taxados de “sessão de reclamação” são, na verdade, assuntos políticos e indiquei quais importantes informações ainda tínhamos que obter ao estudarmos as experiências e sentimentos das mulheres, descrevendo alguns dos obstáculos e propondo que mulheres em toda parte participassem.
RAÍZES DA CONSCIENTIZAÇÃO
“Por que eu deveria, em um oceano tão vasto de livros, pelo qual as mentes dos homens estão perturbadas e cansadas … expor essa nobre filosofia a ser condenada e despedaçada pelas maldições daqueles que ou já juraram lealdade à opinião de outros homens ou são tolos corruptores das boas artes, idiotas eruditos, gramáticos, sofistas, simplórios e gente perversa?… Foi somente para vocês, verdadeiros filósofos, homens honestos que buscam conhecimento não apenas nos livros, mas das coisas em si, que eu abordei esses princípios magnéticos…”
William Gilbert, prefácio de ON MAGNETISM, 1628
“Nós tivemos que adotar o método usado às vezes pelos médicos quando são chamados a ver um paciente tão desesperadamente doente que se encontra inconsciente de sua dor e sofrimento. Tivemos que descrever às mulheres sua própria condição, explicar-lhes os fardos que pesavam tanto sobre elas e, por esses meios, como uma irritação benéfica, despertamos a opinião pública sobre o assunto e, através da opinião pública, tomamos medidas frente ao Poder Legislativo.”
Ernestine Rose, em “História do Sufrágio Feminino”, 1860
“Todo conhecimento se origina na percepção do mundo objetivo externo através dos órgãos dos sentidos físicos do homem. Aquele que nega tal percepção, nega a experiência direta ou nega a participação pessoal na prática que muda a realidade e não é um materialista.”
Mao Tsetung, “Da Prática”, 1937
“Você não pode dar às pessoas um programa até que elas percebam que precisam de um e até que percebam que todos os programas existentes não estão… produzindo… resultados. O que gostaríamos de fazer… é abordar o nosso problema e apenas analisar… e questionar as coisas que você não entende para que possamos…ter uma ideia melhor do que estamos enfrentando. Se você der às pessoas uma compreensão completa do que as confronta e das causas básicas que as produzem, elas criarão seu próprio programa; e quando as pessoas criam um programa, o resultado é ação.”
Malcolm X, 1964
SEIS ANOS MAIS TARDE
Desde 1967, alavancar consciências se tornou um dos primeiros programas, principalmente educacional, para o Movimento de Libertação das Mulheres.
Grupos feministas e mulheres que no início não acreditavam que necessitavam aumentar suas consciências, agora estão todas praticando. Conforme a proposta de alavancar consciências foi se popularizando, muitos grupos e indivíduos se envolveram e o objetivo se modificou, tomando novos sentidos.
Assim, o termo alavancar consciências foi amplamente empregado em contextos contraditórios. Um artigo do New York Times recente utilizou o termo “uma curiosa sessão para alavancar consciências” ao se referir a uma reunião convocada por Henry Kissinger entre as maiores redes de telecomunicação e o Secretário de Estado para discutir o conteúdo de suas programações.
Até mesmo dentro do Movimento de Libertação de Mulheres havia vários tipos de propostas para alavancar consciências; pessoas que são tidas como “especialistas nesse campo” e pessoas que estão desenvolvendo alguns tipos de diretrizes e regras sobre o uso da expressão. E assim, o propósito original de alavancar consciências — sua ligação com as mudanças revolucionárias para as mulheres — frequentemente perde-se no meio do caminho. É exatamente por isso que olhar para as origens do movimento de alavancar consciências proporciona uma perspectiva muito interessante.
O objetivo do Movimento de Libertação de Mulheres era derrotar a supremacia masculina e alcançar equidade para as mulheres. Nós acreditamos que essa era uma tarefa enorme. Como abordá-la, então? O que parecia ser necessário era exatamente alavancar consciências sobre a opressão.
As Instituições da supremacia masculina e suas forças de discriminação contra a mulher, que a conscientização buscava criticar, se adaptaram sem dificuldades às críticas. E, agora, a oposição à conscientização vem frequentemente disfarçada de apoio, total ou parcial. As instituições estão tentando modificar a conscientização, enfraquecendo-a, diluindo-a, para que, ao remover sua força, ela não provoque mais mudanças.
Voltar para as fontes, para suas raízes históricas, para o trabalho que colocou todo o movimento em marcha, é uma das formas de lutar contra esse processo.
A fonte do poder de alavancar consciências sobre a opressão feminina está no comprometimento com o método radical e soluções radicais.
O que de fato aconteceu no programa inicial de conscientização que o tornou tão provocador foi que o pensamento por trás dele, a literatura que o grupo original produziu, fez dessa experiência a essência de onde todos os outros ensinamentos brotaram.
Retornando às raízes históricas, podemos descobrir também o que poderia ter havido de equívoco no pensamento original que permitiu que algumas tentativas de organização tenham se perdido pelo caminho. Porém, qualquer modificação na ideia inicial deve ser feita almejando que a ferramenta de alavancar consciência se torne mais incisiva, invés de mais suave.
ANALISANDO AS FONTES ORIGINAIS
As pessoas que iniciaram o processo de alavancar consciências não se viam como iniciantes na política, tampouco, em vários casos, no feminismo. E, no entanto, elas propunham alavancar consciências sobre a opressão feminina não apenas para as verdadeiras iniciantes, mas também para si mesmas.
A conscientização era vista, portanto, tanto como um método de se chegar à verdade quanto uma forma de ação e organização. Era uma forma das próprias organizadoras poderem fazer uma análise da situação e uma ferramenta a ser utilizada por aquelas que elas estavam organizando — e que por sua vez viriam a organizar mais pessoas. Igualmente, a conscientização não era vista apenas como um estágio no desenvolvimento feminista, que daria lugar a uma fase subsequente, uma fase de ação, mas sim como uma parte essencial da estratégia global feminista.
Para dar início a uma conscientização, nós, organizadoras, priorizamos nossas ações e nossas iniciativas políticas. De certa forma, nós víamos isso como uma fase inicial — despertar as pessoas para esses assuntos, para que elas começassem a refletir e a agir. Mas nós também víamos o alavancar de consciências como uma fonte permanente e contínua de teorias e ideias para ações.
Nós supusemos que a maioria das mulheres não eram diferente de nós — suposição básica para alavancar consciências — de modo que discutir assuntos que nos diziam respeito, assuntos que nos assolavam, também interessariam às outras mulheres. Ter a ousadia de falar de nossos sentimentos e experiências seria muito poderoso. Nosso próprio processo de alavancar uma consciência feminista nos levou à essa suposição ao revelar que toda as mulheres enfrentam opressões na sua condição de mulher e que todas têm interesse em colocar um fim a essas opressões.
Apenas uma abordagem radical do feminismo nos interessaria, e às outras mulheres também, pois qualquer coisa menos que isso não mereceria nossos esforços. Nós sentíamos que outras mulheres responderiam a uma abordagem radical, mesmo que talvez elas não se identificassem como “radicais”, já que o uso indiscriminado da palavra levou a uma distorção do seu verdadeiro significado.
Desde o início, como pode ser visto no programa delineado em 1968, não existe um método único para alavancar consciências. O que realmente importa não é o método, mas sim os resultados. Os únicos “métodos” de alavancar consciências são, na sua essência, princípios. São os princípios básicos da política radical, os princípios de ir às fontes originais, tanto históricas quanto pessoais, de voltar-se às mulheres e buscar a teoria e a estratégia na experiência vivida.
A experiência em alavancar consciências não pode ser julgada pelo conhecimento especializado em quaisquer métodos alegados, mas pela experiência na obtenção de resultados, na produção de insights e compreensão. É impressionante quantas pessoas, nas circunstâncias certas, podem repentinamente tornarem-se especialistas por esses padrões! Uma das descobertas emocionantes e conscientizadoras do Movimento de Libertação das Mulheres tem sido sobre a quantidade de conhecimento e compreensão que podem advir da simples honestidade e do acúmulo de experiências em uma sala cheia de mulheres interessadas em fazer exatamente isso.
A parafernália de regras e metodologia — o novo dogma do “A-C” (alavancar consciências) que cresceu em torno da conscientização à medida que se espalhava — teve o efeito de criar interesses próprios para os especialistas em metodologia, tanto profissionais (por exemplo, psiquiatras) quanto amadores. Várias “regras” formais ou “diretrizes” para a conscientização foram publicadas e distribuídas, com um ar de autoridade, em grupos de mulheres como se elas representassem o programa original de alavancar consciências. Mas novos conhecimentos são a fonte da força e do poder da conscientização. Os métodos existem simplesmente para servir a esse propósito: para serem alterados se não estiverem funcionando.
PRINCÍPIOS RADICAIS TRAZEM RESULTADOS
Nas reuniões, por exemplo, o objetivo por trás de ouvir o testemunho de cada mulher, uma prática comum e empolgante da conscientização, era ajudar a manter o foco, trazendo a discussão de volta ao assunto principal, depois de explorar uma tangente, e ouvir a experiência do maior número de pessoas possíveis sobre o leque de experiências comuns.
O propósito de ouvir a todas as mulheres nunca foi sobre ser agradável ou tolerante, ou para desenvolver capacidades comunicativas ou “capacidade de escuta”, mas sim de se aproximar da verdade. O conhecimento e a informação permitiriam que as pessoas pudessem “falar”.
O objetivo de ouvir os sentimentos e a experiência das pessoas não era terapia, não era para dar a alguém a chance de desabafar… isso é o objetivo de uma amizade. Nosso objetivo era ouvir o que ela tinha a dizer. A importância de ouvir os sentimentos de uma mulher era para coletivamente analisar a situação das mulheres, não a analisar como pessoa.
A finalidade não era mudar as mulheres, não era provocar nelas “mudanças internas”, exceto no sentido de expandir seus conhecimentos. Nosso objetivo era e é a condição que as mulheres se encontram, e o que queremos mudar é a supremacia masculina.
Embora geralmente seja muito provocativo, fascinante e informativo, “dar a palavra a todas as mulheres presentes” pode se tornar fatal e nada informativo, podendo até mesmo derrotar o objetivo da conscientização quando nos deparamos com regras rígidas como “sem interrupções”, “sem tangentes”, “sem generalizações”.
O objetivo de conscientizar nunca foi acabar com generalizações, mas sim para produzir outras generalizações mais verdadeiras. A ideia era levar nossos próprios sentimentos e experiências mais a sério do que quaisquer teorias que não os esclarecessem satisfatoriamente, e criar novas teorias que refletissem as reais experiências, sentimentos e necessidades das mulheres.
A conscientização, portanto, não é um fim em si nem um estágio a ser alcançado, mas um meio para um fim distinto.
É uma parte substancial de um compromisso bastante abrangente que visa obter e garantir mudanças radicais para as mulheres na sociedade. A visão da conscientização como um fim em si mesma — que é o que acontece quando a conscientização é transformada em uma metodologia, uma psicologia — é uma distorção tão severa e destrutiva da ideia e do poder original da arma que é a conscientização, quanto encarar a conscientização apenas como um estágio. Como disse Michal Goldman: “eu me canso das pessoas que estão sempre experimentando, nunca descobrindo nada; sempre examinando, mas nunca vendo — sempre mudando, sempre permanecendo as mesmas”.
Tampouco alavancar consciências, como sugerem alguns, pressupõe que o aumento da conscientização, conhecimento ou educação, por si só, elimine a supremacia masculina. A conscientização através da experiência compartilhada nos ensina que para se descobrir a verdade — para que se possa dar nome ao que realmente está acontecendo — é necessário, mas por si só insuficiente, para provocar mudanças. Com maior compreensão descobrimos uma necessidade nova de agir — e novas possibilidades de ação.
Para encontrar a solução para um problema é necessário tanto a teoria quanto a ação. Uma leva à outra, mas ambas são igualmente necessárias. Do contrário, o problema nunca será realmente resolvido.
ATIVISMO IRRACIONAL
O objetivo da conscientização era chegar às verdades mais radicais sobre a situação das mulheres, a fim de tomar ações radicais; mas o apelo à “ação” pode ser, às vezes, uma maneira de impedir a compreensão — e de impedir ações radicais.
A ação acontece quando nossa experiência é finalmente verificada e esclarecida.
Há uma tremenda energia na conscientização, um entusiasmo voltado para se chegar à verdade das coisas, descobrir o que realmente está acontecendo. O ato de se aprender a verdade pode levar a vários tipos de ação, e essas ações por sua vez levarão à outras verdades.
UMA PERGUNTA PARA ALAVANCAR CONSCIÊNCIAS
“Essa reunião foi realizada … numa tentativa de educar os jovens padres revolucionários sobre os fundamentos das relações e consciência de classe, para que eles pudessem, como eles mesmos disseram, “chegar à raiz da calamidade”. … A reunião durou três dias e foram discutidas três questões importantes: (1) Quem depende de quem para viver? (2) Por quê os pobres são pobres e os ricos são ricos? (3) O aluguel deve ser pago aos proprietários? …
Quando no terceiro dia a reunião terminou, as três principais questões haviam sido respondidas na mente da maioria: (1) A própria subsistência dos proprietários depende do trabalho dos camponeses (2) Os ricos eram ricos porque “descascavam e aparavam” os pobres. (3) aluguéis não devem ser pagos aos proprietários.”
– William Hinton, FASHEN, 1966
No entanto, nenhuma mudança específica no comportamento pessoal de uma mulher, nem nenhuma ação ou estratégia específica, são pressupostas. Pela própria lógica, nenhuma ação pode ser antecipadamente exigida na conscientização, a menos que um grupo esteja usando a conscientização especificamente para levantar ideias para uma ação. A ideia é estudar o caso específico para determinar que tipos de ações, individuais e políticas, são necessárias.
Isso também é verdade na prática. Se as mulheres recearem que terão de agir sobre o que estão falando, especialmente agir sozinhas, como indivíduos, elas ou não falarão sobre nada que não estejam prontas para agir, ou não serão sinceras em suas falas.
Ademais, parte do motivo pelo qual a conscientização é uma abordagem radical é o fato de que não se espera que as mulheres tomem medidas imediatas. Não podemos limitar o pensamento ou a nossa ação apenas àquilo que podemos fazer imediatamente. É necessário agir, mas geralmente a ação deve ser planejada — e protelada.
Nossa ideia inicial era de que alavancar consciências — por meio de grupos de conscientização e ações públicas — despertaria cada vez mais mulheres para uma compreensão de quais eram seus problemas e que elas, por sua vez, começariam a agir, tanto individual como coletivamente. E isso indubitavelmente aconteceu em uma escala sem precedentes.
Obviamente, mais poderia ter sido feito e resolvido com uma maior unidade e organização. Mas as pessoas precisam aprender isso, e há cada vez mais a se aprender sobre quais métodos de organização e ação precisamos.
Da mesma forma, mais ainda pode ser feito para esclarecer nossos objetivos e definir nossos obstáculos; estabelecer conexões entre a opressão das mulheres e outros sistemas de opressão e exploração; analisar a experiência de nossas vidas pessoais e no movimento. Ler sobre a experiência de luta de outras pessoas e conectá-las a nossa. A conscientização nos manterá no caminho, avançando o mais rápido possível em direção à libertação das mulheres.
“Frequentemente nos perguntam: “Qual é a utilidade das Convenções? Por que conversar? Por que não fazer?” Como se o pensamento não precedesse o ato! Aqueles que agem sem antes pensar não servem para muita coisa. Primeiro é necessário a reflexão. Depois vem a expressão do pensamento, e isso nos leva à ação; a ação baseada no pensamento nunca precisa ser revertida: é duradoura e lucrativa e produz o efeito desejado. Eu sei que há muitos que se aproveitam desse movimento e dizem: “Você não está fazendo nada; apenas conversando”. Fazendo nada…! Nós “só” aramos a terra e semeamos as sementes; elas estão colhendo os benefícios e, no entanto, nos dizem que nada fizemos!”
– Ernestine Rose em “História do Sufrágio Feminino”, 1860
“Kwame Knrumah disse: “O pensamento sem ação é vazio e a ação sem pensamento é cega”. Ele diz: “As revoluções são feitas por homens que pensam como homens de ação e agem como homens de pensamento. Essas são as únicas pessoas que fazem a revolução”.”
Stokely Carmichael em “Akwesasne Notes”, 1974
Tradução de Luciana Milton do texto original de Kathie Sarachild em “Notas do Segundo Ano” (Redstockings , 1973). Revisão de Andreia Nobre, edição de Aline Rossi.
Leituras adicionais recomendadas:
Organização Política do Movimento Feminista (Jo Freeman)
A Fuga para o Feminismo Cultural (Brooke Williams, Redstokings)
Entrevista com Carol Hanisch e Kathy Scarbrough
Um Momento Revolucionário (Carol Hanisch)
Conhecer a História para Fazer História (Carol Hanisch)
Mulheres e o Movimento Radical (Anna Koedt)
Separar para Integrar (Barbara Leon)
E agora para o Movimento de Mulheres? (Cynthia Cockburn)