Consentir é dar permissão
Consentir é dar permissão

É urgente que o entendimento de consentimento passe a ser o de primeiro perguntar para só depois agir.

Consentir é dar permissão.

Consentir é autorizar.

Consentir é concordar.

Ao menos de acordo com o dicionário.

Para nós mulheres, consentir também é a linha imaginária que deveria separar nossos corpos, nossos espaços, nossos desejos, nossa segurança, nossa autonomia e nossa liberdade do que para o dicionário é “ação ou efeito de empregar força física ou intimidação moral contra alguém”, ou seja, da violência.

Deveria.

Digo isso porque o consentimento não é compreendido como algo positivo, desta forma sendo o sim a palavra mágica que deveria ser dada antes da ação, ao invés disso é compreendida como negativo, ou seja, é o não que determina o consentimento, tanto que a famosa campanha diz “NÃO É NÃO” em vez de “PEÇA PERMISSÃO ANTES DE AGIR”.

Então por essa lógica se você não disse não, logo, você disse sim, mesmo que nenhuma pergunta jamais tenha te sido feita.

“Ela não disse não”, “ela não disse que não gostava”, “ela não disse que não podia”, “ela não disse que não queria”… assim primeiro somos tocadas, empurradas, surpreendidas por nudes em nossos celulares, primeiro temos nosso espaço violado e nossa intimidade invadida para daí dizermos “NÃO” e torcer para que entendam que “NÃO É NÃO!”.

Em locais como festas e boates LGBT é muito comum perceber como os gays tratam as mulheres, não há qualquer noção de limite, eles acreditam que podem esfregar seus corpos nos nossos, nos empurrar, tocar nossos cabelos, falar perto dos nossos rostos e se meterem em nossas rodinhas de amigas porque na cabeça do homem gay há uma licença para tratarem mulheres da forma que bem entenderem porque “sendo gays, não oferecem risco, logo não precisam de consentimento”, entretanto, se esquecem que são homens, mais, que mesmo se fossem mulheres, o cuidado e o respeito com as outras são critérios fundamentais para uma boa convivência em sociedade.

Pergunte antes, espere o sim, faça depois, essa é a lógica básica do consentimento.

Enquanto escrevo parece que estou dizendo uma sequência de coisas óbvias, como “pergunte antes de tocar”, “seu oi gostosa não é legal”,“peça licença”, “você não tem direito de se meter onde não foi convidado”, “não é porque você é gay que pode agir da maneira que bem entender”, mas não, nós sofremos com todas essas situações cotidianamente e quanto somos tomadas pela fúria, de exageradas é o mínimo que somos chamadas.

Outra situação comum para as mulheres lésbicas quando se trata de consentimento é o terrível “teto de algodão”, que é o nome dado pelo movimento trans para a “barreira feita de algodão que são as calcinhas das mulheres lésbicas”, assim, ao não desejarem ter trans mulheres como parceiras afetivo/sexuais as lésbicas, ao estabelecerem um limite que determina que a sua sexualidade está relacionada ao sexo da sua parceira, não com o gênero que ela se identifica, o não consentimento dessa mulher é automaticamente interpretado como transfóbico.

Desta forma, vemos que a noção de consentimento, quando se trata do “NÃO É NÃO” dito por uma lésbica, encontra outros contornos, uma vez que ele é logo taxado de transfóbico e não de um direito, não de autonomia, não de desejo, não de vontade e não de liberdade, sim de ódio, de repulsa e de fobia.

Assim a orientação sexual da lésbica passa a ser questionada “você não é lésbica, você é vaginista”, homens que durante toda a sua vida se declararam heterossexuais, ao se revelarem travestis ou transexuais, passam a se denominar como lésbicas, tendo essa orientação validada com mais facilidade do que uma mulher que sempre foi lésbica e entende que lésbicas são apenas mulheres que se relacionam afetivo/sexualmente com outras mulheres.

Das lésbicas é retirado o direito de consentir.

Sexo não deveria ser para nenhum ser humano uma moeda de troca, uma forma de provar algo, em se tratando de lésbicas, essa prática tem um nome, estupro corretivo e por anos a luta contra esse tipo de violência foi a bandeira principal das nossas marchas, mas agora, em razão desse desrespeito a nossa história, ele tem sido minimizado para dar espaço para a satisfação do fetiche e do ego dos que ignoraram que a nossa permissão importa.

Por isso é necessário, com urgência, que o entendimento de consentimento passe a ser interpretado como a resposta positiva dada a algo, portanto, é fundamental primeiro perguntar, primeiro pedir permissão para apenas após o sim, e só assim, agir, indo além, compreender que consentimento tem relação com autonomia, desta forma, é a livre manifestação de alguém que deseja SIM participar de algo que está lhe sendo oferecido.