Em 2018, Delaware e Nova Jersey tornaram-se os primeiros (e únicos por enquanto) estados dos Estados Unidos a definir 18 anos como a idade mínima legal para o casamento, sem exceções.

Muitos estados dos EUA estabelecem limites de idade para casamento entre 16 e 18 anos, mas permitem exceções, como consentimento dos pais e/ou judicial ou no caso de gravidez.

Se os americanos já pelo menos ouviram falar de casamento infantil, eles normalmente assumem que isso é coisa do passado ou que acontece apenas em outros países. Mas essa prática, definida como um casamento que ocorre quando uma das partes tem menos de 18 anos, está presente em comunidades por todo país, independentemente de religião ou raça.

Pesquisas da Unchained at Last [Finalmente Libertadas] e de outras organizações estimam que quase 250 mil crianças, a grande maioria delas meninas, casaram-se nos Estados Unidos entre 2000 e 2010.

Essas meninas são parte dos 15 milhões de crianças que se casam todos os anos em todo o mundo, a maioria vivendo na pobreza em países em desenvolvimento ou forçada a se casar durante conflitos e desastres humanitários, períodos em que a prática aumenta. Além disso, as leis que regem a idade do casamento costumam permitir exceções nos casos em que a menina está grávida ou se os pais e os juízes derem seu consentimento.

Um quarto de milhão é um número impressionante para um país tão economicamente avançado e relativamente estável quanto os Estados Unidos, e levanta a questão: por que as meninas americanas continuam enfrentando casamentos prematuros e forçados? Para responder, devemos olhar para o exterior e para a triste universalidade das leis e práticas que violam os direitos humanos das meninas.

Ao falar com mulheres que se casaram quando meninas, ouvi histórias difíceis de ouvir, mas muito mais difíceis de viver. Mulheres e meninas falam de estupro, sequestro, gravidez traumática não planejada nem desejada, e do sentimento de que perderam o controle sobre seu futuro. Elas citam a saída da escola como sendo particularmente difícil de aceitar. Elas têm recursos financeiros e sociais limitados para sustentar sua saúde sexual e reprodutiva e são frequentemente isoladas de seus pares.

A história de cada garota é única, mas, independentemente da geografia e das circunstâncias, a causa raiz do casamento infantil é um fio que atravessa a vida de todas: desigualdade entre os sexos. A crença de que as meninas têm menos valor do que os meninos — de que seus pensamentos, ideias e desejos podem ser desconsiderados — leva as famílias a dedicar menos recursos à sua educação e bem-estar.

A suposição de que as meninas se casarão e se tornarão parte da família de outra pessoa, com sua produtividade beneficiando outras pessoas, contribui para essa falta de investimento. Isso limita as perspectivas das meninas e se torna uma profecia autorrealizável; meninas sem educação e sem conhecimento econômico tornam-se mulheres que precisam lutar para se engajar na economia formal e prover recursos financeiros para as famílias.

O CONTROLE SOBRE MULHERES E MENINAS É UNIVERSAL

Outro aspecto importante dessa desigualdade é a crença de que a sexualidade e a reprodução das meninas não são assuntos pessoais, mas um ponto de discussão pública e potencialmente vergonhoso para as famílias e, portanto, algo a ser controlado e gerenciado. O controle de mulheres e meninas, particularmente de sua sexualidade e reprodução, é universal e ocorre em quaisquer que sejam as religiões, os contextos humanitários e de segurança e as esferas socioeconômicas.

O casamento infantil é um impacto direto e persistente dessa crença. De fato, as milhares de meninas casadas dos EUA, muitas vezes com homens muito mais velhos ou por causa de gravidezes não planejadas, deixam bastante claro que o casamento infantil não se trata apenas de pobreza ou insegurança, mas também especialmente do fato de que muitos pais e outros tomadores de decisão na vida das meninas não acreditam que mulheres e meninas têm o direito de fazer escolhas, algumas tão fundamentais quanto com quem se casarão e se e quando terão filhos.

Em todo o mundo, ativistas e organizações da sociedade civil vêm trabalhando há décadas instando pessoas com poder, recursos e experiência a voltar sua atenção para o fim do casamento infantil, onde quer que ocorra. Nos Estados Unidos, organizações como Tahirih Justice Center [Centro de Justiça Tahirih] e Unchained at Last têm lutado para mudar as leis, estado por estado. É um trabalho cansativo, muitas vezes sem recompensa. Em Maryland, no começo de 2017, os legisladores permitiram que a sessão terminasse antes de aprovar uma nova lei para resolver o problema.

Aparentemente, isso se deveu ao estigma que a maternidade solo ainda carrega. Eu ouvi esse mesmo argumento para justificar o casamento infantil em outros países. É por isso que sucessos, como a lei de Nova Jersey, que não permite exceção em caso de gravidez, devem ser apresentados como exemplos para outros estados seguirem.

MAIS DO QUE UM PROBLEMA LEGAL

Embora as leis sejam uma peça importante para acabar com o casamento infantil, a prática é mais do que um problema jurídico e, portanto, devemos defender uma abordagem coesa que lide com fatores sociais e econômicos, em coordenação com as opções legais, para garantir que as meninas tenham poder para crescerem saudáveis e seguras, livres das restrições e das consequências do casamento precoce e forçado.

Quando reformas legais são realizadas, elas devem ser cuidadosamente construídas para que o casamento infantil não seja legitimado por meio de exceções. Em todo o mundo, as exceções de maternidade e consentimento judicial ou dos pais às leis sobre a idade mínima para o casamento deixam os filhos em risco de serem forçados a se casarem por extrema pressão, coerção ou força familiar ou social.

O casamento infantil é uma violação dos direitos humanos que não deveria acontecer. Mas acontece de Baltimore a Bangladesh. Devemos usar todas as ferramentas disponíveis para encerrar a prática, incluindo leis, pressão diplomática e financiamento de programas eficazes, como a educação de meninas. Mas, para causar um impacto duradouro e acabar com o casamento infantil de uma vez por todas, precisamos abordar propositadamente a prática em sua raiz e trabalhar para alcançar a igualdade entre os sexos em todos os lugares.

Por: Helena Minchew, para a Fundação Thomson Reuters