O conto da fada feminista sempre sensata.
De vez em quando vemos mulheres desistindo do movimento feminista, e pasmem, por causa das próprias companheiras do movimento feminista.
Muitas vezes ocorrem ataques desnecessários, violência intra-feminina e exposição de mulheres aliadas, seja por algum deslize na teoria, uma fala equivocada, ou até mesmo por alguma intriga pessoal. Isso não só torna o ambiente de militância um lugar mais conflituoso, também o torna menos construtivo. Todas perdemos enquanto coletivo. Afinal, quais são as prioridades do movimento feminista? Atacar mulheres que de alguma forma incorrem em erros de cunho pessoal ou erros na militância ou libertar essas mulheres? Vejam bem, não é questão de nunca apontar erros ou falhas no discurso feminista de mulheres militantes, é uma questão de decidir se queremos construir pontes de diálogos ou barricadas de fogo no movimento.
Ser feminista não é uma auto-identidade. Nos cabe uma mudança de postura e uma mudança na forma de enxergar o mundo, repensando nossa própria misoginia internalizada. Ser feminista é estar consciente de como são construídos todos os nossos gostos dentro de um patriarcado, que nossas escolhas também são derivadas de escolhas pré-impostas por esse sistema, e até mesmo repensar nossas divergências com outras mulheres, principalmente a forma como lidamos com essas divergências. Desconstruir a rivalidade feminina é um passo fundamental para se tornar feminista. Entender que a sororidade é uma aliança política que não nos obriga a ser amiga ou gostar de todas as mulheres, mas de estar dispostas à não validarmos nenhuma misoginia contra elas.
Se não conseguimos construir um movimento feminista minimamente acolhedor para as próprias feministas, imagine para as mulheres que só conhecem a propaganda ruim e geralmente deturpada do movimento?
Muitas vezes, colocamos muitas expectativas em mulheres feministas, principalmente se tiverem maior visibilidade, e esquecemos que todas nós somos humanas, todas passíveis de cometer erros, e agir de forma pouco construtiva umas com as outras. Esquecemos que mulheres são capazes de errar, e transferimos esses erros para o movimento como um todo.
Mulheres podem ser maldosas, podem manipular, podem ser desonestas, mulheres podem reproduzir machismo, misoginia, racismo, e todo tipo de preconceito, podem agir com imaturidade, podem fazer intrigas e podem se considerar feministas enquanto tomam essas atitudes… a questão é que ser feminista não pressupõe a elevação do nosso status moral instantâneo, ser feminista pressupõe que as mulheres devem estar comprometidas em ser melhores umas com as outras, mas devemos lembrar que nem sempre serão. O que devemos ter em mente à seguir é que isso não desmerece o movimento feminista, porque sua teoria e sua práxis falam sobre o coletivo, não sobre o indivíduo. O feminismo não é representado por atitudes individuais desviantes de sua teoria e cometidas em seu nome, o feminismo é um conceito político formulado por inúmeras teóricas e que se constrói de forma horizontal e plural, não tendo uma voz única, nem uma representante máxima.
Portanto, faço aqui um chamado às mulheres: não sejamos tão severas com outras mulheres. O patriarcado já torna cada erro cometido por uma mulher em num peso muito maior que um erro cometido por um homem. Nos reproduzimos isso, tendemos a achar mais inaceitável quando mulheres, principalmente feministas cometem erros, sejam esses erros de conduta com outras mulheres ou erros de práxis feminista em si, porque de nós é sempre esperado perfeição e abnegação, mulheres não podem errar.
Para as mulheres é sempre mais fácil perdoar o amigo homem que erra, o namorado que trai, o marido que humilha, do que a amiga que comete um erro com você. Isso não é uma coincidência, mulheres são socializadas para se odiarem, para serem mais punitivas com outras mulheres. Para usarem o peso patriarcal sob o julgamento de outras mulheres, o que acaba por recair sobre si mesma também. Mulheres apontando e vigiando os erros e corpos de mulheres para que também tenham seus erros e corpos vigiados… aquele famoso “tiro no pé”.
Mas todas nós erramos e erraremos mais ainda, isso é um fato, ninguém acerta sempre. Então se cada uma de nós estiver sempre a espreita do erro cometido para apontar a outra, em qual momento estaremos construindo um movimento que realmente emancipe mulheres?
Sejamos mais pacientes com a desconstrução e o tempo de cada uma. Sejamos abertas ao diálogo construtivo. Não vou dizer que é fácil, que é simples, e que você não vai desejar dar uns tapas na cara de alguém pra fazer a pessoa entender algo, ou ser mais ética, mas o melhor caminho geralmente é o mais difícil né?
Então, sejamos todas feministas, no sentido mais amplo da palavra: com a disposição de priorizar mulheres, de se colocar no lugar da outra, de dosar os conflitos e de quando necessário, também saber perdoar mulheres.
Não existe a feminista perfeita. Nem fadas 24 h sensatas.
Se você já se sentiu maltratada, julgada, exposta ou insultada por alguma feminista, use isso a favor do movimento que você quer construir :se torne a feminista que você gostaria que tivessem sido com você, se torna a feminista que dialoga, a feminista que escuta, a feminista paciente, a feminista que explica com didática, e até mesmo a feminista que deixa prá lá, por que a discussão nem sempre vale a pena. Seja a feminista que todas as mulheres podem confiar.
Seja a melhor feminista que você pode ser!
Mas seja feminista.
A nossa libertação só depende de nós.