Experiência: me arrependo da transição

Quando eu era uma garota vivendo no interior da Inglaterra, eu costumava dizer: “Quando eu crescer, quero ser um menino.” Eu até fazia xixi de pé. Adorava jogar futebol, mas quando eu tinha cerca de sete anos, meus amigos disseram que eu tinha que parar porque era menina. Eu disse a eles que não via a diferença que isso fazia e um deles puxou o calção para baixo e me mostrou.

Um sentimento doentio me tomou: algo sobre mim e meu corpo estava errado. Esses sentimentos se tornaram mais poderosos à medida que eu crescia. Quando vi meu peito crescendo, fiquei horrorizada; desenvolvi um transtorno alimentar para tentar atrasar a puberdade, cortei meu cabelo e comecei a enfaixar meu peito. Estava deprimida e tentei me matar. Aos 14 anos, fui internada em um hospital psiquiátrico por alguns meses.

Meus pais ficaram atordoados e tentaram me convencer a começar a aceitar a vida como mulher. Eles providenciaram que alguém me ensinasse a usar maquiagem, esperando que, se eu aprendesse a me parecer mais com as outras meninas, eu me sentiria mais como elas.

Foi apenas aos 15 anos que descobri sobre transição. Tudo se encaixou: era isso que eu era. Percebi que poderia ter o corpo que queria. Quando fui ao médico de família, com 17 anos, me disseram que eu era muito velha para usar os serviços pediátricos e jovem demais para ser vista como um adulta; só consegui minha primeira consulta três meses depois do meu 18º aniversário.

Após meses de espera e consultas, das quais nenhuma incluiu aconselhamento, finalmente comecei com gel de testosterona e depois mudei para as injeções. Foi uma coisa marcante quando, na universidade, minha voz engrossou, e minha silhueta começou a mudar: meus quadris estreitaram, meus ombros alargaram. Parecia certo. Passando por homem, eu me senti mais segura em lugares públicos, fui levada mais a sério quando falava, e me senti mais confiante.

Então eu fiz a cirurgia no peito. Fui remendada e fiquei com cicatrizes terríveis; fiquei traumatizada. Pela primeira vez, me perguntei: “o que estou fazendo?”. Adiei os passos seguintes da histerectomia e da cirurgia inferior, depois de me informar sobre a faloplastia e perceber que precisaria de uma operação a cada 10 anos para substituir o dispositivo erétil. Assuntos trans começaram a ser abordados nos meios de comunicação e entendi que as pessoas sempre me reconheceriam como tendo feito uma transição. Eu só queria ser um homem, mas sempre ia ser trans.

Ao mesmo tempo, houve uma mudança significativa em como eu me sentia sobre meu gênero. Refletindo sobre a diferença em como fui tratada quando as pessoas me viram como um homem, eu percebi que outras mulheres também sofriam por isso. Eu achava que o problema estava no meu corpo. Agora eu via que não era ser uma mulher que me impedia de ser eu mesma; era a contínua opressão da sociedade sobre as mulheres. Uma vez que percebi isso, gradualmente cheguei à conclusão de que eu tinha que destransicionar.

Eu parei de tomar testosterona e, à medida que meu corpo retomou a produção de seus próprios hormônios, eu me tornei alguém que se parece um homem. Eu sempre terei uma voz rouca e nunca irei recuperar os seios, mas meus quadris e coxas estão ficando maiores. Ser homem era mais confortável para mim, mas permanecer com os hormônios significava que eu continuaria focando no meu corpo como sendo o problema — quando eu não acredito que o problema está lá. O que parece mais fácil nem sempre é o que é certo.

Eu tomei a melhor decisão possível em circunstâncias tóxicas, e se eu não tivesse feito o tratamento quando fiz, talvez não estivesse viva. Mas eu me sinto muito triste quando penso em minha fertilidade: eu quero ser mãe um dia, mas é provável que ter usado testosterona tenha tornado isso mais difícil. Estou agora no final dos meus vinte anos e não saberei até que eu tente ter filhos.

Me sinto feliz pelas pessoas que a transição ajudou, mas acho que deve haver mais ênfase no aconselhamento e que deve ser visto como último recurso. Se isso tivesse acontecido comigo, talvez eu não tivesse feito a transição. Eu estava tão focada em tentar mudar meu gênero e eu nunca parei para pensar sobre o que o gênero significava. Em última análise, sinto-me esperançosa com o futuro. Eu vi que tenho uma capacidade imensa de mudar e crescer, mesmo em circunstâncias muito difíceis. Isso é o que eu sou.


Tradução de depoimento prestado a Moya Sarner do The Guardian