Uma carta a meninas e adolescentes
Eu não sei como começar esse texto de forma que vai fazer você confiar em mim suficientemente para levar minhas palavras em consideração. Eu me lembro de como é ser adolescente e achar ultrapassado ou pouco compreensivo tudo o que pessoas adultas — mulheres adultas — me falavam. Eu me lembro de achar que me tratavam como criança quando questionavam minhas decisões. E eu odiava me sentir criança.
Eu tenho 25 anos, o que eu acho que é um distanciamento razoável da adolescência pra ver o que eu fiz de errado mas ainda sem ter meu olhar carregado pela condescendência das pessoas mais velhas. O mundo mudou muito desde que eu tinha 13 anos, é verdade; mas, no fundo, nem tanto.
Eu queria desesperadamente “crescer”. Pensando com cuidado, eu não sei exatamente o que isso representava na minha cabeça; mas eu gostava de ver meu corpo mudando e de me sentir mais “adulta”. Eu achei o máximo quando menstruei pela primeira vez e quando comecei a me depilar: agora eu fazia parte do mundo “das mulheres”, e poderia falar com elas sobre cólicas menstruais e sobre como pêlos são irritantes.
Eu definitivamente não queria mais ser criança. Ser criança é sinônimo de ser invisível pra muita coisa. Suas opiniões não importam e você não tem “maturidade” pra decidir as coisas por si própria. E eu tinha muitas opiniões, muito obrigada, prontas para serem apresentadas ao mundo.
Era importante pra mim, então, ser vista como adulta; se eu emulasse uma aparência de adulta, eu poderia passar por adulta e me tratariam como adulta. Mas não tão adulta a ponto de ser chata; só adulta o suficiente pra ser levada a sério…
E desejada.
No fundo, é por isso que meninas e adolescentes querem “crescer”. É por isso que, da infância para a adolescência, as roupas começam a ficar mais curtas e justas. Elas evidenciam nossos seios e nossas curvas, que muitas vezes contrastam muito com nosso rosto de menina. Então passamos maquiagem. Aumentamos nossos lábios, passamos bastante rímel, fazemos contorno, e tiramos fotos pro instagram com a boca um pouco aberta e os olhos um pouco fechados. E pronto. Quem diria que eu tenho 13 anos? Ninguém, né? Os caras, você pensa, vão olhar minhas fotos e pensar que eu tenho, sei lá, 18 anos. E vão me achar bonita. E é isso.
Mas, amiga, não é isso. Eu preciso te contar uma coisa que pode ser pesada pra você, mas se eu não contar, não sei se mais alguém vai contar. Você está pronta?
Em primeiro lugar, os caras percebem sim que você é “novinha”. Na verdade, o mundo inteiro percebe; depois que você passa da adolescência, adolescentes são muito facilmente reconhecíveis.
O cara que vê sua foto com seios em evidências não pensa que você tem 18 anos, ele sabe que você tem 14 ou 15. E ele não pensa só “nossa, que gata”. Ele não fica bobo com sua beleza. Ele não curte a foto e comenta porque você é linda.
Ele vê que você tem 14 ou 15 anos e quer te foder. Não, ele não quer “transar”, no sentido de uma atividade mutuamente prazerosa, com ambas as partes envolvidas numa situação de igualdade de experiências, de desejos, e de vontades. Não, amiga, ele quer te foder. E te foder significa que ele quer enfiar o pênis dele várias vezes na sua vagina, estilo britadeira. Ele quer ver você sentir dor por não ter experiência com alguém da idade dele. Ele quer puxar seu cabelo enquanto força sua cabeça sobre o pênis dele, te fazendo engasgar e ter reflexo de vômito, porque o que o excita é a discrepância de poder. Você está submissa, e ele está no comando; você é a novinha, e ele é o cara mais velho.
Quando ele vê fotos suas apertando os seios e fazendo biquinho, ele está pensando em gozar neles e na sua cara. Ele está imaginando olhar pra você de cima pra baixo, com você ajoelhada, como boa menina. Ele está pensando que, já que você é novinha, que sua vagina deve ser apertadinha e rosadinha. Ele pensa — muito provavelmente, corretamente — que você tem pouca experiência sexual então que vai achar normal qualquer coisa que ele fizer, então que ele pode fazer basicamente qualquer coisa que você não vai reclamar, porque você vai ter vergonha de pedir pra ele mudar ou parar e ele pensar que você é uma criança inexperiente.
Eu poderia continuar aqui por mais muitos parágrafos dando descrições bastante precisas do que os caras pensam quando vêem suas fotos de acordo com cada posição, cada ângulo, cada roupa; mas confio na inteligência de vocês. Vocês entenderam.
Eu queria muito que fosse exagero; mas não é. Vocês, minhas irmãs mais novas, precisam aprender o quanto antes que homens têm sua sexualidade moldada pela pornografia que assistem desde muito jovens. E a pornografia ensina homens a 1) erotizar a dor da mulher e 2) excitar-se com a situação de dominação, o que inclui o fetiche por meninas adolescentes e crianças. Não à toa, todos os anos a categoria “novinha” ou “adolescente” está no top 3 mais procurados e visualizados dos maiores sites pornográficos.
Os caras não vêem você, em sua beleza e juventude, e te admiram, como a gente admira uma pintura; eles não tê olham e ficam com tesão que nem quando a gente vê um cara muito gato ou uma guria muito gata e queremos dar uns beijos e amassos quentes. Eles não imaginam você como participante dos atos sexuais que eles querem perpetrar; eles imaginam você como um objeto, uma boneca inflável de carne.
Eu escrevi tudo isso pra dizer: conforme você cresce e vai deixando de ser menina para ser mulher, é nesse mundo de constante hipersexualização que você está entrando. Você passa a ser uma presa mundo mais evidente numa selva de homens criados pela pornografia. E a melhor forma de se proteger de experiências muito ruins que você com certeza vai ter na mão desses caras… é não se expor.
E esse conselho, na verdade, não vale só pra vocês, adolescentes. Vale pra todas. Vale pras jovens mulheres na minha faixa etária de vinte-e-poucos / vinte-e-tantos anos. Nos falaram que se a gente se sexualiza por vontade própria, então tudo bem, então é um indicativo de liberdade; mas não é. Isso não é liberdade. Não existe escolha se não existem outras opções, sabe? E no combo de “ser mulher” atualmente consta o item “ser sexy e dona da própria sexualidade”, o que não seria um problema se na verdade não fosse sinônimo de “viver e vivenciar sua sexualidade em prol de homens”.
Você quer ser adulta? Quer mesmo? Então se recuse a ser a fantasia de homens. Homens definitivamente não fantasiam com mulheres que têm opinião e se negam a girar seu mundo em torno deles. Quando algum pedófilo imbecil de trinta anos vier te cantar, ponha ele em seu lugar: você tem idade pra ser meu pai, por que eu teria interesse em você? Use sua juventude, que ele pensa ser uma fraqueza, como sua arma.
Te digo tudo isso como alguém que gostaria de ter lido isso, na sua idade. Teria me privado de muitas cicatrizes.
Confie em nós. Confie em mim.
Obrigada por esse texto. Vamos juntas. ❤️
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