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O horror da grande pornografia

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O horror da grande pornografia
O horror da grande pornografia

Por que os apologistas da pornografia estão errados

Costumávamos ter a grande indústria do tabaco. Agora temos a grande indústria da pornografia. A indústria de filmes adultos tem hoje um enorme poder de influencia na cultural de hoje — tal como a indústria do tabaco já teve. Lembra de “‘O Povo Contra Larry Flynt’, em que o chefe milionário do Império Hustler foi retratado como um herói da liberdade de expressão? Vemos esse tipo de personagem repetidas vezes em filmes de Hollywood. Nas formas de entretenimento mais populares, de fato, são só puritanos e desmancha-prazeres que não apreciam pornô.

Os gigantes do tabaco já difundiram sua propaganda sobre como os cigarros eram glamourosos. Eles convenceram muitos que fumar poderia curar um resfriado ou dor de garganta. Hoje, somos levados a acreditar que as estrelas pornográficas são maneiras, que atuar em filmes pornográficos é empoderador, e que se masturbar com esses filmes é um meio saudável de expressão pessoal. Mas isso é verdade? É realmente progressista ou “pró-sexo” para apoiar esta indústria enorme? É anti-sexo para se opor a ela? A visão dominante entre os apologistas da indústria é que os pornógrafos não são capitalistas exploradores, mas agentes da liberação da sexualidade de restrições religiosas ou impostas pelo Estado.

Essas são mentiras. Aqui estão as verdades: como o tabaco, a pornografia é altamente viciante. Ele arruína vidas. Ele não causa câncer ou doença cardíaca, mas, pior do que o tabaco, ele explora as pessoas e prejudica relações. Estas verdades são suprimidos porque alguns grupos estão fazendo quantias enormes de dinheiro deste negócio prejudicial. A ideia de que a pornografia ‘empodera’ é difundida, mas romantiza uma realidade nada encantadora.

Veja a Chloe, por exemplo. Eu conheci Chloe em 2017 durante a pesquisa para o meu livro sobre o comércio sexual. Naquela época, ela era uma garota de 22 anos fazendo ‘strip’ em um “clube de cavalheiros” e planejando se tornar uma estrela pornô. Recentemente contactei Chloe outra vez. Ela tinha trabalhado em três sets pornográficos. “O primeiro filme não foi muito ruim”, disse ela. “Certamente não foi minha escolha participar de um ‘gangbang’ com três homens. Foi muito humilhante e desagradável, mas o dinheiro não era ruim e eu me convenci de que tinha valido a pena.”

“O segundo e terceiro filmes foram horríveis”, disse ela. “Eles filmaram um após o outro, e envolveu um monte de sexo doloroso demais para mim. Eu fui engasgada e penetrada oralmente, fazendo anal ao mesmo tempo. Me disseram que eu iria receber 6 mil dólares, mas eles pegam muito dinheiro para o seguro, teste de HIV, até as roupas que eu tinha de usar. Eu odiei.” Ela ganhou US$2.000 por oito dias de trabalho.

A pornografia faz muito dinheiro. A receita anual da indústria pornô global foi estimada em até US$ 90 bilhões. (Para colocar isso em contexto, Hollywood ganha cerca de US$10 bilhões por ano. Houve 23 bilhões de visitas a apenas um dos principais sites pornográficos em 2016 — mais de 5.200 séculos de pornografia são vistos lá todos os anos.

As famosas estrelas da pornografia enriquecem, e produtores e donos de sites certamente o fazem. Mas a grande maioria dos seus trabalhadores não. As mulheres (e a maioria dos artistas são mulheres) não recebem royalties, em geral. A competição maciça por cliques reduz os salários e obriga as pessoas a realizarem atos ainda mais extremos e fisicamente prejudiciais para audiências cada vez mais exigentes. Um homem intimamente envolvido no negócio me disse: “As mulheres não gostam. Elas têm que tomar um monte de analgésicos. Claro, elas só fazem pelo dinheiro.”

Gail Dines, uma socióloga e especialista no aspecto do negócio da pornografia, diz que muito do conteúdo em sites pornográficos gratuitos atua como um ‘teaser’, uma amostra para interessar os espectadores para que então as empresas possam ‘monetizar’ o pornô gratuito com publicidade e encaminhar o consumidor para sites pagos. Em vez de destruir a indústria pornô, a pornografia gratuita expande a base de consumo de pornografia paga. “A pornografia gratuita é o mesmo que a indústria do tabaco distribuir cigarros gratuitos às crianças para as viciar, sem medo de serem processados”, diz Dines.

A pornografia é uma espécie de escravidão. Também é mais racista do que a maioria das pessoas percebe. Uma das séries pornográficas mais vendidas chama-se ‘Oh não! Há um Preto na minha [filha/esposa/irmã]’. “Você consegue imaginar uma série chamada ‘Oh não! Há um Preto no meu bairro?’, pergunta Dines. “A Pornografia recebe um passe-livre para um nível de racismo que não seria tolerado em qualquer outro gênero da mídia.”

Eu vi o racismo da indústria em primeira mão quando eu assisti o prêmio anual XBIZ em Los Angeles em 2015. À medida que os artistas pornôs atravessavam o tapete vermelho — era mandado que eles mostrassem o máximo de peitos e bunda possível para os fotógrafos à espera — eu falei com alguns produtores. Eles me disseram que faziam “pornô gangbang preto-no-branco” e explicaram que o gênero era muito popular. Perguntei aos homens se, como afro-americanos eles mesmos, eles sentiram que o gênero poderia se alimentar estereótipos racistas de homens negros como violadores sexuais de mulheres brancas. Eles riram. “Vende”, um me disse. “Então enquanto comprarem, nós vamos fazer.”

O que foi impressionante sobre os prêmios XBIZ não foi a ausência de qualquer vergonha entre aqueles que vendem e lucram com a pornografia. Foi o orgulho deles. Os pornógrafos ganham seu dinheiro do abuso, no entanto sequestraram a linguagem da liberdade e da justiça social. Um produtor se vangloriou para mim sobre a natureza progressiva e inovadora de seu pornô gay inter-racial. A maioria dos vídeos neste gênero apresentam a dominação de jovens asiáticos por homens brancos. Ele explicou que seu material às vezes mostra os jovens asiáticos — ‘bitches’ (termo pejorativo que literalmente significa cachorras) no termo da arte — na posição dominante. Ele não parecia perceber a enorme ironia do que ele estava dizendo.

A chamada “pornografia ética” chegou às nossas telas há algumas décadas. Eu ouvi os termos ridículos ‘art-core’ ou ‘sexo real’ usado para descrever o que é na verdade pornô independente, de baixo orçamento, com um duvidoso rótulo ‘fair-trade’ (“comércio justo”). Tal como os cafetões e os donos de bordéis que insistem no “salário justo”, nos direitos dos trabalhadores e em condições melhores, os pornógrafos éticos afirmam estar fazendo pornografia de forma diferente dos outros.

Eu perguntei os chamados “éticos” pornógrafos o que eles fazem que é tão diferente. Suas artistas, eles me dizem, são examinados para ISTs e suas idades são checadas. Até lhes dão escolhas sobre o tipo de sexo que fazem e perguntam se elas estão “felizes com o processo”. Eu ouvi a mesma coisa mais de mil vezes de pornógrafos em geral, todos os quais insistem que as artistas tem a idade checada e não são forçadas a fazerem qualquer coisa que não desejam fazer. Também não acredito neles.

Os que fazem a “pornografia ética” acreditam que uma fantasia violenta de qualquer tipo pode ser uma parte legítima da sua identidade sexual, uma que você tem o direito de explorar. Na indústria, a única diferença entre pornografia ‘ética’ ‘art-core’ e pornografia hardcore comum é que os consumidores pagam por esta última. A versão ‘ética’ é a garota propaganda higienizada desse comércio, mas na realidade é uma cortina de fumaça e um estratégia de vender produtos abaixo do preço para atrair consumidores (loss-leader) para uma indústria altamente exploradora. Em pouco tempo ela terá sido totalmente integrada no mainstream, ajudando a conduzir o tráfego para representações brutais de violência sexual e subserviência.

Muitas pessoas ganham a vida defendendo a pornografia. Jerry Barnett é o autor de Porn Panic!: Sex and Censorship (“Pânico Pornô!: Sexo e Censura”) no Reino Unido. Ele se descreve como um “militante anti-censura”. Ele também é um ex-diretor administrativo do anywhere.xxx, descrito como o “Distrito da Luz Vermelha da internet”, então ele sabe do que ele está falando.

Perguntei a ele sobre a chamada pornografia feminista. Para Barnett, é uma “tendência interessante no marketing pornográfico”. “Ver pornografia de produtoras que se auto-intitulam feministas e/ou éticas é uma forma de se distanciar das (que eles imaginam ser) partes mais nojentas do negócio.”

A maioria da pornografia nem sequer tenta ser ética ou feminista. É revoltante, e todos os que não são completamente pervertidos sabem disso. Pesquisas mostram que a maioria dos homens já acessou pornografia, no entanto há um crescente ressentimento masculino. Robert Jensen, acadêmico e autor de “Getting Off: Pornography and the End of Masculinity” (em tradução livre seria algo como ‘Escapando: A Pornografia e o Fim da Masculinidade’), acredita que não importa o que qualquer mulher em particular sente sobre fazer ou usar pornografia, a indústria não está interessada em ‘empoderar’ mulheres. “A dominância masculina está no núcleo da pornografia, exacerbada pela busca incansável de lucros no capitalismo. Esses produtores têm que ‘inovar’ se quiserem manter os lucros, o que significa oferecer material cada vez mais extremo.”

É difícil saber o quê, até mesmo se há alguma coisa, pode ser feito para combater a indústria pornô em termos de política governamental estadunidense, sem afetar a liberdade de expressão. Mas talvez possamos todos esquecer o pretexto de que esse negócio é apenas mais um ramo do setor do “entretenimento” normal, algo que todos podem desfrutar se assim o desejarem. Tom Farr, administrador do Centre to End All Sexual Exploitation (Centro para Acabar com Toda a Exploração Sexual), é um de um tipo raro de jovens que se pronuncia contra a normalização da pornografia. “A indústria literalmente mercantiliza a nossa sexualidade e a transforma em algo que nos é vendido posteriormente”, diz Farr, “e que então molda as nossas atitudes em relação às mulheres no mundo real.”

“A pornografia, como todas as grandes indústrias globais, interage com bancos, cartões de crédito, meios de comunicação tradicionais e múltiplas plataformas de redes sociais”, diz a especialista em economia Gail Dines. “Cada uma destas indústrias tem um interesse econômico investido na continuação e crescimento da indústria pornográfica.” São pobres garotas como Chloe que se ferram completamente.


Matéria de Julie Bindel, na edição inaugural da edição estadunidense do The Spectator — Publicada em 1 de outubro de 2019