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Se assumir “não binária” é puxar o tapete de outras mulheres

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Se assumir “não binária” é puxar o tapete de outras mulheres
"Eu sou genderqueer, e agora?"

A coisa mais maneira para escritoras feministas fazerem ultimamente é “se assumir” “não binária” ou “genderqueer”. Essas mulheres se dizem não binárias baseadas na premissa de que elas têm vidas complexas e não se identificam com todos os aspectos da subordinação social através da feminilidade.

Laurie Penny disse que se sentia presa no seu corpo feminino enquanto ele desenvolvia seios e curvas objetificadas sexualmente na adolescência. Jack Monroe reconta sobre olhar fotos da sua infância que revelavam que ela nem sempre usou roupas explicitamente “femininas”: “Eu, com 7 anos, com boné de baseball e jeans. Eu, com 12 anos, com corte máquina 1. Eu, com 13 anos, insistindo em usar calças para escola como o meu amigo Z.” A editora de beleza da “Good Housekeeping” (Bons Cuidados Domésticos), Sam Escobar, recentemente publicou um relato raso de seu status não binário, explicando que ela “não era exclusivamente atraída por garotos” e às vezes “assistia pornô hetero… da perspectiva masculina”.

Se essas supostas indicações de status “não binários” soam para você como experiências extremamente mundanas, comum a um vasto número de mulheres, você estaria correta. Isso é porque a “identidade não binária” é desprovida de significado.

Algumas narrativas comumente conduzidas por essas mulheres “não binárias” incluem: “Eu sempre gostei de ter cabelo curto”, “Eu não gosto de ser submetida a violência sexual”, “Eu me sinto desconfortável no meu corpo feminino”. Frequentemente ser não binária é definido por escolhas superficiais que não são vistas como estereotipicamente “femininas”. No entanto, mesmo essas escolhas não parecem ser um requerimento para o status “não binário”, como exemplificado por Escobar, que parece tão “feminina” quanto qualquer mulher.

Diferente de algumas categorizações populares na ideologia queer (transfemmegenderfluid), não binário é menos uma “identificação” e mais uma “desidentificação”. O status não binário é definido baseado no que não é: Eu não sou membro da classe subumana conhecida como “mulheres”, eu não sou algo a ser fodido.

“GQ Genderqueer — exclusivo: jornalista se assume para os pais em versão impressa”

Uma mulher “se assumindo” não binária é uma não afirmação que declara nada além da aversão à classe das mulheres. É a alternativa à mulher “não binária” uma mulher “binária”? E o que isso significa? Que todas amamos nossos corpos e conseguimos não internalizar a misoginia e o olhar masculino? Que estamos todas inteiramente em paz com os estereótipos de gênero colocados sobre nós? A declaração “não binária” é um tapa na cara de todas as mulheres, que, se não se identificaram como “genderqueer”, presumidamente possuem uma essência interna perfeitamente alinhada com a paródia misógina da ideia de feminilidade criada pelo patriarcado.

Ao contrário das feministas da Segunda Onda, que defendiam que as mulheres se unissem coletivamente sob a bandeira do feminismo, a téorica queer Judith Butler promove a “desidentificação” como um ato politicamente progressista. Em 1993, Butler defendeu que mulheres deveriam coletivamente se “desidentificar” com outras membras do sexo feminino, como um meio de “queerizar” a própria categoria sexual. Mais de 20 anos depois, a visão de Butler chegou a uma realização assustadora, onde mulheres orgulhosamente proclamam que não têm nada em comum com outras mulheres.

As bizarras prescrições políticas aparentemente antifeministas de Butler fazem sentido no contexto de seu projeto político mais amplo. Em seus dois maiores trabalhos em teoria de gênero, “Problemas de Gênero” (Gender Trouble) e “Corpos que Importam” (Bodies that Matter), Butler teoriza que gênero não é opressivo por causa dos estereótipos sexistas e hierárquicos ligados à masculinidade e à feminilidade, mas sim por causa de sua natureza binária, que ela diz “excluir violentamente” aqueles que saem das margens do gênero binário. Para Butler, a homossexualidade pode ser tão excludente quanto e precisa de desconstrução como a heterossexualidade, já que ambas são termos binários que “cruelmente apagam” outras sexualidades, como a bissexualidade. O abrangente objetivo político de Butler é impossibilitar a marginalização, tornando “inclusivas” todas as categorias sociais. Isso parece ter sido alcançado de alguma maneira, hoje, enquanto vemos a mistura de todas as categorias de orientações sexuais no amorfo “queer”. (Curiosamente opressões ainda existem, apesar dessa mágica reformulação de palavras.)

A recente tendência de se declarar “não binária” parece ser outra vitória das políticas queer Butlerianas, onde a realidade social perdeu o formato que a definia e se desfocou como uma massa de indivíduos que são supostamente “nem homens, nem mulheres”.

“Você é um menino ou uma menina” — “Não”

Butler está focada em eliminar a marginalização de identidades “não normativas” (que poderiam teoricamente incluir qualquer um, desde praticantes de BDSM a pedófilos), não especificamente mulheres. Ela defende que a categoria “mulher” em si deve ser desconstruída, pois exclui outros indivíduos que não são mulheres (vulgo homens). Já que Butler não está preocupada com a liberação das mulheres em particular, a “desidentificação” das mulheres umas com as outras, retardando esforços feministas, não a incomoda. Mas, apesar de Butler assumir que sua política não está especificamente preocupada com a liberação feminina, muitas mulheres ainda declaram sua desidentificação não binária como um ato feminista.

Penny pelo menos reconhece que a desidentificação com mulheres entra em conflito com políticas feministas, mas tenta remediar dizendo que ela ainda “se identifica, politicamente, como uma mulher”. É um paradoxo, a declaração de Penny como não binária não é meramente uma expressão pessoal neutra de sua individualidade, mas é saturada com uma certa ideologia política. E nessa ideologia, quando uma mulher se irrita embaixo da bota do patriarcado — exemplificado na maneira que Penny odiava seu corpo feminino durante a puberdade e se sentia pressionada de maneira dolorosa a se conformar aos padrões de feminilidade — esse desconforto é visto não como uma reação natural à imposição injusta de poder, mas como um sinal que essa mulher não é de fato uma mulher.

Se desconforto na posição social de mulher significa que uma mulher é “não binária”, então, o que significa para todas as mulheres que não se declaram “genderqueer”? Elas estão sempre ok com suas vidas sob o patriarcado? Elas nunca se sentem confinadas pelos estreitos limites do conceito de feminilidade? Poucas pessoas, se alguma, se alinham perfeitamente com um extremo ou outro do espectro binário de gênero, então, como defende Rebecca Reilly-Cooper“Se gênero realmente é um espectro, isso não significaria que todo indivíduo é, por definição, não binário?”
Escobar aponta que ela “se identifica consideravelmente com homens”, o que não é surpreendente, considerando que nossa cultura é quase inteiramente dominada pela perspectiva masculina. Nossa literatura e filmes mostram majoritariamente personagens masculinos que são os heróis, os vilões e os anti-heróis, enquanto a maioria dos personagens femininos aparecem apenas em relação a esses homens: o interesse romântico, a esposa, ou a mãe. Sentindo essa alienação tão intensa (combinada com o trauma de um estupro), faz sentido que Escobar tenha vivenciado depressão, distúrbios alimentares e dismorfia corporal.

Mas ela não faz nenhuma conexão entre suas experiências e o poder patriarcal, ao invés disso sugere que sua infelicidade e alienação eram devidas a não ter percebido sua singularidade “difícil de nomear” que ela descreve como “não binária”. (Penny, de maneira parecida, atribui sua dificuldade a: “crescer em uma época antes do Tumblr, quando poucos adolescentes falavam sobre ser genderqueer ou transmasculino”. O horror!)

True Life (“Vida Verdadeira”, programa da MTV) — Eu sou genderqueer

O que isso assume é que a estrutura de poder vai desaparecer quando mulheres descobrirem que sua infelicidade sob o patriarcado é apenas por uma anomalia ou defeito pessoal. A ideologia por trás do “não binário” exemplifica o conceito liberal do contrato social (isso é, a ideia que presume que indivíduos vivendo sob o poder do estado consentem esse poder, pois, do contrário, escolheriam se mudar). Quando ser definida por estereótipos sexuais estreitos é tido como algo que uma pessoa pode simplesmente rejeitar, voluntariamente, mulheres que não escolhem escapar do gênero estariam portanto consentindo esse poder.

Eu não consigo pensar em nada mais antifeminista do que uma ideologia que impossibilita a identificação e o confronto do poder patriarcal, e ao invés disso individualiza opressões como “escolha pessoal”. Penny defende que ela ainda é uma feminista, e quaisquer obrigações de mulheres se identificarem com outras mulheres, “politicamente ou não”, constitui uma “bobagem fodida” de “policiamento de identidade”. Mas feminismo não é uma questão de identidade pessoal. Assim como sofrer sob o patriarcado não é o resultado de uma peculiaridade individual feminina. Infelizmente, nós não podemos nos “assumir” como seres humanos a fim de convencer homens a nos tratarem como iguais. Então, por favor, nos poupem de suas insinuações insultantes de que podemos nos identificar (ou desidentificar) para fora da opressão estrutural. Enquanto isso, nós estaremos tentando construir um movimento político com o foco específico na liberação feminina.


Tradução de Susan Cox do Feminist Current