Toda sub-rogação de útero (“barriga de aluguel”) é exploração
Toda sub-rogação de útero (“barriga de aluguel”) é exploração

O mundo deveria seguir a proibição como a Suécia.

Há algum tempo está evidente que algo quanto à gestação por substituição/sub-rogação de útero ou “barriga de aluguel” não está tão certo. Desde que começou a indústria do comércio de gravidez no fim dos anos 70, há uma inundação de escândalos, exploração e abuso. Desde o infame caso da “bebê M” nos Estados Unidos, um caso real que ocorreu em 1986, parecido com o que vimos na telenovela Barriga de Aluguel em 1990 — no qual uma mãe mudou de ideia e foi forçada, em meio às lágrimas, a dar seu bebê —, ao japonês bilionário que encomendou 16 crianças de diferentes clínicas tailandesas. Houve uma total comoditização da vida humana: clique, escolha raça e cor, pague, tenha sua criança entregue.

Mary Beth Whitehead a caminho do julgamento sobre sua filha, no caso “”bebê M”

Tem também o caso da mãe (“barriga de aluguel”) estadunidense que morreu por uma causa relacionada à gravidez ; ou dos compradores que se recusaram a aceitar uma criança deficiente e tentaram fazer com que a mãe (“barriga de aluguel”) abortasse; sem mencionar as fábricas de bebês na Ásia.

Fábrica de bebês nas Filipinas

Essa semana, a Suécia tomou uma posição firme contra a sub-rogação de útero. O inquérito governamental sobre “barriga de aluguel” publicou as conclusões, que o parlamento deve aprovar ainda esse ano. Essas incluem a proibição de toda gravidez de substituição, tanto comercial quanto solidária, e tomar sérias medidas para prevenir cidadãos de irem às clínicas no exterior.

Essa é uma decisão inovadora, um verdadeiro passo para o movimento feminino. Inicialmente divididas no assunto, mulheres se uniram e colocaram a questão no topo das pautas. Mais cedo em fevereiro, feministas e ativistas pelos direitos humanos de todo o mundo se encontraram em Paris para assinar o estatuto contra a sub-rogação de útero, e o Parlamento Europeu também pediu a proibição aos membros.

As maiores objeções ao relatório sueco foram de possíveis pais dizendo que se uma mulher quiser ser uma “barriga de aluguel”, claramente é errado impedi-la de fazê-lo. É revelador o fato que poucas mulheres chorariam pela perda dessa oportunidade. É, no final das contas, a demanda que alimenta essa indústria.

“Barriga de aluguel” pode ter sido cercada da aura de felicidade do Elton John, recém-nascidos fofos e noções de família moderna, mas por trás disso tudo há uma indústria que compra e vende vida humana. Onde bebês são feitos sob medida para satisfazer os desejos dos ricos. Onde uma mãe não é nada, privada até do direito de ser chamada de mãe, e o consumidor é tudo. O Ocidente começou a terceirizar sua reprodução nas nações pobres, assim como anteriormente terceirizou sua produção industrial. É chocante ver quão rápido a convenção da ONU dos direitos da criança pode ser completamente ignorada. Nenhum país permite a venda de seres humanos — no entanto, quem se importa enquanto somos servidos com imagens de famosos e seus recém-nascidos?

Paulo Gustavo e o marido anunciam gravidez de gêmeos por “barriga de aluguel”

Para afastar a “barriga de aluguel” dessas acusações alguns falam da tal “barriga solidária”, ou seja, uma “barriga de aluguel altruísta”. Se a mãe não está sendo paga, não há exploração. Talvez ela esteja fazendo por generosidade, para uma amiga, filha ou irmã.*

O relatório sueco refuta esse argumento. Não há prova, diz o inquérito, de que legalizar a gestação por substituição a manteria longe da indústria comercial. A experiência internacional nos mostra o oposto — cidadãos de países como Estados Unidos ou Grã-Bretanha, onde a prática de sub-rogação de útero é muito difundida, tendem a dominar a lista de compradores estrangeiros na Índia ou Nepal. O inquérito também disse que há evidência de que essas mães ainda são pagas “por fora”, como é o caso na Grã-Bretanha. Uma pessoa não pode, de acordo com o inquérito, esperar que uma mulher assine que abre mão dos seus direitos sobre um bebê que ela nunca chegou a conhecer — isso em si denota uma pressão indevida.

De qualquer modo, “barriga solidária” — fora o fato de ser uma distração, já que quase não acontece na realidade — tem uma base ideológica muito estranha. Como se exploração só consistisse em dar dinheiro a mulher. Nesse caso, quanto menos ela for paga, menos é explorada.

Na realidade essa “barriga de aluguel altruísta” significa que uma mulher vai passar pelas mesmas coisas da sub-rogação de útero comercial, mas não receberá nada em troca. Demanda-se que a mulher carregue uma criança por nove meses e então a doe. Ela deve mudar seu comportamento e arrisca-se a ficar infértil, ter vários problemas relacionados à gravidez e até a morte. Ela é usada como uma hospedeira, e é dito até que é um anjo. A única coisa que ela ganha é a auréola do altruísmo, que é um preço bem baixo por todo o esforço e pode apenas ser atrativo numa sociedade onde mulheres são valorizadas por quanto se sacrificam, não o quanto conquistam.

Fila de grávidas em Mumbai

Índia e Tailândia não querem que suas cidadãs se tornem as fábricas de bebês do mundo. Agora é hora da Europa se responsabilizar. Nós somos os compradores, nós devemos mostrar solidariedade e parar essa indústria enquanto podemos.


*Barriga Solidária parece ser a única forma legal de “barriga de aluguel” no Brasil, e devem ser entre familiares de até 2o grau, de acordo com a Resolução 1.957/10 do Conselho Federal de Medicina:

VII — SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética.

— As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

— A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.



Por Kajsa Ekis Ekman — traduzido do The Guardian