Casamento é uma forma de prostituição.
Casamento é uma forma de prostituição

Foi no início dos anos 90, quando a feminista britânica Sheila Jeffreys emigrou para a Austrália, que ela percebeu quão enorme a indústria do sexo global havia se tornado. A prostituição havia sido legalizada na Austrália em 1984 e, dando uma olhada no jornal um dia, ela percebeu com horror que as mulheres estavam sendo anunciadas para venda junto de suas fotografias. Em sintonia com o governo, muitas feministas australianas tinham passado a ver a prostituição simplesmente como uma forma de trabalho, e Jeffreys se viu horrorizada com este “neoliberalismo” – a completa falta de indignação moral relativamente à compra e venda de corpos de mulheres.

Isto foi para mostrar uma das muitas motivações para escrever seu novo livro, “A Vagina Industrial: A Economia Política do Comércio Sexual Global”. Como professora de ciências políticas na Universidade de Melbourne e ativista de longo prazo contra a violência sexual, os livros de Jeffreys incluem “Anticlímax”, que revelou o mito da revolução sexual dos anos 60, e “Beleza e Misoginia”, que desvendou as brutalidades da indústria da beleza. Ela me conta que “A Vagina Industrial” surgiu quando percebeu que a indústria do sexo estava “fora de controle”.

Sheila Jeffreys, feminista radical lésbica, autora de “Beleza e Misoginia”, “Desempacotando a Política Queer” e “A Vagina Industrial”.

O livro de Jeffreys investiga como o comércio sexual foi transformado de uma indústria de pequena escala, furtiva e vilipendiada, numa indústria extremamente lucrativa e legitimada. Como tal, o texto está repleto de números surpreendentes. Há o fato de que a indústria de striptease vale pelo menos U$ 75 bilhões de dólares no mundo todo, trazendo U$ 15 bilhões de dólares somente nos EUA – mais do que as receitas geradas pelo beisebol. Ou o detalhe de que o negócio da pornografia é agora tão bem sucedido e popular que é abordado pelos jornais financeiros, junto de algumas empresas como a Beate Uhse – a cadeia de sex-shop mais bem-sucedida da Alemanha – listada na bolsa de valores. “A prostituição é agora um setor de mercado significativo dentro das economias nacionais“, diz ela, com sua habitual franca intensidade.

“A indústria do sexo na Holanda, onde [a prostituição] é legalizada, vale 5% do PIB”.

Isto tem acontecido em um momento em que o poder das mulheres tem supostamente aumentado. Por que a prostituição, o striptease e a pornografia se tornariam mais populares à medida que as mulheres assumissem um papel público mais forte? Jeffreys me diz que, como as mulheres agora são “aptas a dizer ‘não’ com mais frequência a práticas sexuais degradantes“, o uso de mulheres prostituídas é uma forma dos homens manterem seus privilégios tradicionais.

Jeffreys também descobriu quem está ganhando dinheiro com este mercado. É claro que é uma grande máquina de fazer dinheiro para proxenetas, traficantes e proprietários de bordéis, mas muitos outros também estão lucrando: os hoteleiros ganham uma receita extra fornecendo prostitutas a homens de negócios; os motoristas de táxi ganham comissões levando turistas do sexo masculino a determinados bordéis.

“Bilhões e bilhões de dólares são feitos à custa das mulheres nesta indústria”, diz Jeffreys, “e as feministas que se opõem a ela enfrentam grupos poderosos de homens, e muitas vezes governos inteiros… Onde estão as críticas da esquerda a esta indústria capitalista bruta? Podemos citar as indústrias do tabaco e nuclear, mas não a indústria do sexo, na qual as mulheres mais pobres e mais desprotegidas são abusadas”.

As mulheres envolvidas raramente ganham dinheiro com a prostituição, ela afirma, apesar da visão popular de que o trabalho é altamente lucrativo para elas. Jeffreys inclui provas de estudos realizados na Austrália e no Canadá, que mostram que o salário médio ANUAL das mulheres na prostituição de bordéis é de apenas £15.000. “Precisamos tirar dos argumentos feministas esta discussão sobre se é ou não prejudicial às mulheres“, diz ela, “e olhar para ela como uma indústria maciça, massiva, onde os lucros não estão indo para as mulheres“.

Jeffreys nunca teve medo de abordar temas controversos, uma característica que lhe rendeu muitos detratores, assim como admiradores. Em 1979 ela foi uma das autoras de Love Your Enemy, um livreto que questionava quanto as feministas heterossexuais estavam comprometidas com o movimento feminista. Ela também criticou lésbicas por usarem pornografia e afirmou que a cirurgia de mudança de sexo é uma forma de automutilação. Ela diz que adoraria escrever uma história do movimento feminista a partir de uma “perspetiva feminista revolucionária“; o tema comum de seu trabalho é sua firme convicção de que os homens mantêm o poder sobre as mulheres através do ato sexual, e que a heterossexualidade é, portanto, ruim para as mulheres.

Esta crença se reflete no livro “A Vagina Industral” em sua descrição do casamento como um tipo de prostituição; uma transação legal que tradicionalmente tem garantido o acesso sexual ao corpo das mulheres em troca de subsistência. “Prostituição e casamento sempre estiveram relacionados“, diz Jeffreys. “O que é chocante é que hoje o casamento está mais na moda entre algumas jovens mulheres”. Ela escreve que mesmo no caso de mulheres profissionais empregadas e bem remuneradas “o direito dos homens ao corpo das mulheres para uso sexual não desapareceu, mas continua sendo uma suposição na base das relações heterossexuais“.

Ela descobre outros laços mais evidentes entre casamento e prostituição – como a crescente questão das noivas por correspondência. A indústria de noivas por correspondência é essencialmente uma forma de tráfico, ela argumenta, com muitas das mulheres que são anunciadas em sites de agências matrimoniais sendo posteriormente vendidas para a prostituição por seus maridos. A maioria dos homens que acessam esses serviços são brancos e de países ricos, e suas noivas vêm de culturas onde o estereótipo feminino é subserviente e dócil.

A força do novo trabalho de Jeffreys está em quantos aspetos da indústria do sexo consegue cobrir e na sua compreensão das suas interseções. Por exemplo, ela aponta os vínculos entre os sites de noivas por correspondência e a pornografia; entre os clubes de lap-dancing e as operações de tráfico.

Ela acredita que o uso de mulheres prostituídas pelas forças armadas, que há muito tempo ocorre em torno das bases norte-americanas na Tailândia, Coreia do Sul e Filipinas, tem sido o fator mais importante na globalização da indústria do sexo. Em países “onde a indústria prosperou sob ocupações militares“, diz Jeffreys, “e na Holanda onde a prostituição de bordéis é legalizada, os homens se reúnem de outros lugares para ter acesso aos serviços de prostituição”. Jeffreys afirma que os países que legalizaram a prostituição são “Estados cafetões“.

“Se o Estado facilita a prostituição de mulheres, obviamente está mantendo a supremacia masculina. Estes Estados são diretamente coniventes na manutenção da desigualdade das mulheres”.

Enquanto falamos, Jeffreys está se preparando para uma viagem à Europa, onde fará uma palestra sobre a prostituição como uma prática cultural nociva, em pé de igualdade com a mutilação genital feminina. Pergunto se ela está esperando críticas de seu público. “É claro”, ela ri, “as feministas sempre tremem quando dizemos a verdade sobre a indústria do sexo. Mas as mulheres continuarão a ser prejudicadas por isso, enquanto continuarmos a acreditar nas mentiras“.


Publicado no The Guardian em Novembro de 2008