chega de cultura pornográfica
chega de cultura pornográfica

Estamos entrando num mundo de crueldade sexual, onde depreciar e desumanizar uma mulher é algo sexualizado

Se você liga a televisão, folheia uma revista, ou olha anúncios por aí, você vê que a pornografia tornou-se o modelo pelo qual a mídia representa o corpo feminino. Seja Katy Perry contorcendo-se seminua num clipe musical, seja Miley Cyrus rebolando com um homem com o dobro de sua idade (que parece que tem uma ideia obscura sobre sexo), as imagens com que nos bombardeiam todo dia parecem muito com a pornografia soft-core de algumas décadas atrás.

Atualmente, não há mais pornografia soft-core na internet, porque a maior parte dela migrou para a cultura pop. O que a indústria pornográfica nos oferece hoje é tão hard-core, que até alguns dos grandes produtores e diretores estão espantados com o ponto em que chegaram.

Em 2014, feministas de seis países reuniram-se em Londres para uma conferência sobre a cultura pornográfica, que focou em como essa cultura molda nossas ideias sobre sexualidade, relacionamentos, masculinidade, feminilidade e intimidade. Reconhecendo que as imagens pornográficas estão agora perfeitamente entrelaçadas na nossa cultura popular, graças principalmente à internet, as palestrantes falaram sobre os múltiplos malefícios de se criar uma geração de meninas e meninos baseada nessas imagens misóginas.

Um dos principais assuntos discutidos na conferência foi o modo como os fãs de pornografia estão ficando cada vez mais insensíveis e buscando conteúdos cada vez mais pesados. Segundo o diretor pornográfico Mitchell Spinelli, há mais “exigência sobre querer ver coisas cada vez mais extremas”.

Eu viajei pelo país dando palestras sobre os males da pornografia e ainda estou surpresa que tão poucas pessoas mais velhas saibam como é a pornografia atual. Já se foram os dias em que mulheres posavam com olhares tímidos para a câmera. Em vez disso, estamos num mundo de crueldade sexual e abuso, em que qualquer coisa que possa ser feita a uma mulher para depreciá-la e desumanizá-la é sexualizada e erotizada. Na pornografia, os homens fazem coisas odiosas aos corpos das mulheres, porque todas as emoções e sentimentos que associamos com amor — alegria, carinho, empatia, felicidade — não existem e em seu lugar vemos desprezo, asco, aversão e raiva.

A questão colocada aos ouvintes era: o que significa crescer numa sociedade em que meninos começam a ver pornografia, em média, aos 11 anos de idade e em que meninas estão sendo massacradas por imagens de si mesmas como estrelas pornográficas? Como um menino desenvolve sua identidade sexual quando a pornografia frequentemente é a primeira coisa sobre sexo que ele conhece? O que significa para meninas ou jovens mulheres ver a si mesmas como objetos de desejo em vez de sujeitas com desejos? Como as relações heterossexuais são quando construídas dentro da cultura pornográfica?

Sem nenhuma experiência real de sexo, a pornografia da internet tem um profundo efeito no modo como esses meninos (e futuros homens) pensam sobre sexo, relacionamento, intimidade, integridade corporal e consentimento.

Masturbar-se vendo pornografia que é uma mistura, às vezes letal, de sexo e violência não afeta todos os meninos da mesma forma, mas é impossível permanecer intacto a imagens que têm um efeito tão intenso no corpo e na mente.

As participantes da conferência concordaram que criar uma geração de meninos com pornografia cruel terá um efeito de longa duração na sexualidade deles e na segurança e bem-estar das meninas, e precisamos agir agora. Prevenir o acesso das crianças à pornografia é um bom começo, mas precisa ser acompanhado por uma campanha massiva de educação sexual, que não apenas destaca o que tem de errado com a pornografia, mas oferece imagens alternativas de sexualidade que são igualitárias, divertidas e criativas. O uso da pornografia é um dos maiores problemas de saúde pública de nossos tempos, e precisa ser abordado agora se quisermos criar uma sociedade livre de violência contra mulheres e crianças.


Tradução do texto de Gail Dines para The Independent:

https://www.independent.co.uk/voices/comment/stop-porn-culture-those-who-watch-modern-porn-are-becoming-increasingly-desensitised-9195395.html