(Tradução do texto de Robert Jensen para Feminist Current)

Agora que a “lei dos banheiros” foi descartada pelos legisladores do Texas e a comoção política acabou — por enquanto — nós deveríamos dar um passo para trás e considerar o que faz da transgeneridade um assunto tão incômodo.

Discussões sobre os direitos dos homossexuais e outras minorias da chamada “cultura de guerra” sempre dividiram opiniões, mas existe algo peculiar no debate da transgeneridade: um grande número de pessoas estão simplesmente confusas, e com razão. Muitos não entendem as afirmações do transativismo sobre sexo e gênero, e o movimento ainda não ofereceu uma explicação coerente.

O que significa quando uma pessoa que nasceu inegavelmente do sexo masculino — ou seja, alguém que não apresenta as raras condições de intersexo, uma questão a parte da transgeneridade — afirma que é uma mulher, ou vice-versa? Na perspectiva biológica, macho e fêmea são categorias definidas por papéis diferenciados na reprodução; um macho não pode ser, ou se tornar, uma fêmea humana. Hormônios e cirurgias podem criar a aparência de uma “mudança de sexo”, mas não podem mudar o indivíduo para outra categoria sexual.

Se o foco é no gênero socialmente definido — o que a sociedade cria a partir das diferenças sexuais de macho e fêmea — é fácil de entender como uma pessoa nascida homem pode não se identificar com as normas de masculinidade, e se sentir mais confortável com as normas da feminilidade, ou vice-versa. As pessoas têm o direito de se vestir e se comportar como quiserem, sem ter que se afetar pelos papéis de gênero patriarcais, mas isso não exige de ninguém afirmar que mudou de categoria sexual.

As pessoas que se identificam como transgênero descrevem tipicamente uma experiência interna e subjetiva de pertencimento à outra classe sexual, e eu não estou duvidando desses relatos. Mas uma experiência subjetiva interna não muda as realidade físicas do mundo. Por exemplo, pessoas que estão em estado de inanição, por vezes relatam uma experiência interna e subjetiva de estarem acima do peso, mas nós não tomamos essa experiência como realidade e não encorajamos essas pessoas a fazerem dieta.

Quando homens que se identificam como transgêneros afirmam que eles são mulheres e portanto, devem ser aceitos em todos os espaços exclusivos de mulheres, como vestuários e banheiros, não é surpresa que tantas pessoas falem: “eu não entendo”. É uma confusão legítima — não ato de desprezo ou ódio. Mas, reconhecer essa confusão pode, em alguns lugares, te levar ao rótulo de “transfóbico”, e aí muitas pessoas acabam ficando caladas sobre suas preocupações.

Esse é um debate bem diferente da questão do status de homens e mulheres homossexuais. As pessoas que são contra o casamento gay sabem o que atração e afeição por pessoas do mesmo sexo significa, mesmo que eles nunca tenham experimentado. Quando eu luto pelos direitos de gays e lésbicas, ninguém do outro lado jamais disse, “Eu não entendo o que significa ser atraído por alguém do mesmo sexo”.

As respostas dos transativistas e seus apoiadores variam enormemente. Alguns argumento que não só o gênero, mas até as classes sexuais, macho e fêmea, são socialmente construídos, uma afirmação que parece sem sentido para mim e várias outras pessoas (as realidades reprodutivas não mudam de acordo com normas sociais). Outros propõe que pode haver uma desconexão entre o sexo cromossômico/gonadal/genital e o “sexo do cérebro”, o que só faria sentido se houvesse distinções significativas entre o cérebro masculino e feminino, que não é o caso. Outros rejeitam a idéia de binário, mas as células reprodutivas dos humanos (chamados gametas) são ou um óvulo ou espermatozóides, o que por si só é um binário que não podemos simplesmente desejar que não exista.

Deixe-me ser claro: eu não rejeito as experiências internas subjetivas relatadas pelas pessoas que se identificam como transgênero, nem estou sugerindo que discriminação e violência contra essas pessoas sejam aceitáveis. Mas enquanto não houver uma explicação coerente para os reclames do movimento, não é discriminatório manter alguns estabelecimentos que separem os sexos, especialmente aqueles que dão a meninas e mulheres um pouco de privacidade das constantes intrusões de uma cultura masculina (não porque pessoas transgênero sejam uma ameaça em especial, mas porque afrouxar essas separações costuma levar homens predadores a explorar a ambiguidade).

O problema por trás dessa questão, de uma perspectiva da crítica feminista, é a dominância masculina institucionalizada, o que por muito tempo se chamou patriarcado. Se pudermos transcender os papéis rígidos, repressivos e reacionários de gênero criados pelo patriarcado — e que restringe a vida de todos nós — as pessoas se sentiriam livres para viver autenticamente, sem ter que afirmar pertencer a uma classe sexual que é contrária a realidade física de seus corpos.

Os transativistas reconhecem que sabemos pouco sobre a etiologia — a causa ou as causas — da transgeneridade. Dentro do movimento do transativismo existe um desacordo sobre se a questão é de uma condição que requer tratamento médico ou apenas um aspecto das identidades como qualquer outro. Baseado no conhecimento produzido atualmente, políticas públicas responsáveis deveriam abordar a transgeneridade com um modelo de saúde mental, que entenda o sofrimento dessas pessoas, sem imediatamente tirar conclusões sobre o que os sintomas significam para a identidade. Enquanto o movimento trans demandar que aceitemos a transgeneridade como identidade que não pode ser questionada, as questões voltadas a política — não só os banheiros, mas se é ético receitar poderosos medicamentos para crianças para suprimir a puberdade como um tratamento da disforia de gênero — não só não vão ser resolvidas, como se tornarão irresolvíveis.

O movimento trans normaliza intervenções dramáticas no corpo sem uma explicação coerente para o tratamento, sugerindo que qualquer um que hesite em apoiar é um preconceituoso. Se isso continuar, qualquer criança que apresentar sinais de não conformidade com os padrões de gênero vai ser rotineiramente encorajada a se identificar como transgênero e por consequência, passar a ter necessidade de tratamento, ao invés de desafiar os papéis patriarcais de gênero? Vamos esperar que mulheres e garotas abandonem seus próprios e legítimos interesses de privacidade e segurança, por conta de uma afirmação que elas não entendem?

Fazer essas perguntas é evidência de um pensamento crítico e um compromisso com a justiça para as garotas e mulheres, não preconceito. Nós podemos reconhecer o sofrimento e a necessidade das pessoas transgênero e, ao mesmo tempo, fazer essas perguntas e oferecer um desafio feminista para as normas patriarcais repressivas de gênero. Debates em que pessoas são condenadas por terem pensamento crítico são pouco prováveis de gerar políticas públicas responsáveis.


Robert Jensen is a professor in the School of Journalism at the University of Texas at Austin and the author of The End of Patriarchy: Radical Feminism for Men. He can be reached at rjensen@austin.utexas.edu or through his website, robertwjensen.org.


Link para o texto original https://www.feministcurrent.com/2017/08/20/impossible-create-good-policy-transgenderism-cant-even-debate-issues/