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O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.

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O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.
O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.

Um dos assuntos que tendem a virar polêmica nos meios feministas é a abdicação de rituais feminilizadores. A questão, quando tocada, ao invés de ser vista como oportunidade para a promoção de debates críticos acerca do padrão de beleza eurocêntrico ou o conteúdo estereotipado das propagandas que o vendem, por exemplo, se torna um motivo para argumentos individualistas e pontuações autodefensivas.

Todas estão, ou deveriam estar, cansadas de saber que feminismo é um movimento de emancipação coletiva e que, portanto, não considera que algumas mudanças no estilo de vida de meia dúzia de “adeptas” seriam capazes de, por si só, desencadearem uma revolução. Isso deveria ser o suficiente para que todas entendessem de uma vez por todas que não, ninguém vai obrigar ninguém a parar de usar maquiagem, não existe nenhuma lei anti-depilação, estamos ocupadas demais estudando, espalhando material e/ou fazendo ações coletivas, não há tempo para monitorar a vida pessoal umas das outras.

O problema todo está no fato de que, levantada a questão, o discurso liberal da “liberdade de escolha” rapidamente entra em pauta, o que acaba fazendo com que todas se voltem para um dilema de “ser ou não ser”, rodando em círculos e esquecendo-se de que a desfeminilização deveria ser considerada, mais do que escolha, um posicionamento ético coerente e bastante louvável.

O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.

Toda essa conversa sobre escolha e conforto acaba fazendo com que todas esqueçamos que a abdicação dessas práticas demanda trabalho pessoal constante, tanto para as que nunca estiveram em conformidade com estes rituais quanto para aquelas que estão ainda em um processo de familiarização com este lugar, principalmente quando estas mulheres são negras, gordas ou quando se trata de uma pessoa com deficiência.

A desfeminilização não é um lugar acolhedor, ninguém deixa de usar sutiã, se depilar, usar maquiagem, alisar o cabelo ou fazer dieta simplesmente porque se sente linda e confortável desse jeito, ou pelo menos não da forma como relatam as que “escolhem” se feminilizar. Estar dentro dos moldes ou resistir a eles nunca serão experiências semelhantes, apesar de ambas sempre estarem carregadas tanto de coisas boas quanto de ruins.

O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.

No Brasil, apesar do recente aumento da demanda masculina, 85,6% das cirurgias plásticas são feitas por mulheres. Além disso, segundo pesquisa do Ibope de 2011, 40% das mulheres afirmam que estão constantemente em dietas. A cultura pornificada impõe que um corpo, para que seja reconhecidamente feminino, necessita de modificações e mutilações. >Naomi Wolf, em O Mito da Beleza, afirma que a obsessão pela performance estética feminina atua na mente das mulheres da mesma forma que a religião cristã o fazia com a população européia da idade média. Nesse sentido, a ideia de que corpos femininos são sujos e incompletos, necessitando de reparos e higienização, é herança e atualização do mito da criação, onde o homem é esculpido diretamente do barro, como imagem e semelhança do criador, enquanto a mulher é apenas uma de suas costelas.

Diante desse contexto, não é viável simplesmente assumir que a busca por modificações estéticas e a submissão diária aos rituais de beleza são pura e simplesmente fruto de uma escolha pessoal por parte das mulheres, pois a elas não são apresentadas outras possibilidades que não as exponham à desaprovação social, que muitas vezes resulta em prejuizo emocional e até profissional.

O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.

Em resistência, cada vez mais mulheres, principalmente lésbicas (que já o faziam desde muito tempo) e feministas, vem buscando se desvincular desses rituais, em um movimento de fidelidade não a nenhum movimento politicosocial, mas sim a si mesmas e às próprias convicções. Esse processo envolve o afastamento em relação aos pensamentos de degradação da própria imagem. A potencial recompensa proveniente disso tudo é ver sumir aos poucos os monstros do espelho, é a experiência de ver o próprio corpo além da máscara do desprezível. Para que isso possa acontecer é necessário disponibilidade e abertura, além de entendimento e respeito acerca das próprias limitações.

O tabu da rejeição às normas de beleza — um elogio às desfeminilizadas.

A reprodução dos rituais feminilizadores jamais deverá ser algo que utilizemos para menosprezar ou invalidar quem quer que seja, é importante reconhecer e respeitar que nem todas as mulheres tem as mesmas condições e possibilidades para se comprometer com esse tipo de posição.

Todavia, apoiar e incentivar a desfeminilização de uma mulher que se propõe a isso – não só fazendo referência à sua estética mas também deixando a ideia de que nossa autoestima e os elogios que fazemos devem estar necessariamente ligados à beleza – é algo que realmente precisamos exercitar.

4 COMENTÁRIOS

  1. Desfeminilização é mais do que válido, é necessário. Obrigada por esse texto, Nath! <3

  2. Desfeminilizar-se é despir-se dos signos de feminilidade: subalternidade, submissão, necessidade de aprovação masculina, matertagem, auto-objetificação. Não ser feminina não te torna “masculina”, te torna uma pessoa.

  3. “Isso deveria ser o suficiente para que todas entendessem de uma vez por todas que não, ninguém vai obrigar ninguém a parar de usar maquiagem, não existe nenhuma lei anti-depilação, estamos ocupadas demais estudando, espalhando material e/ou fazendo ações coletivas, não há tempo para monitorar a vida pessoal umas das outras.”

    É aí que vocês fracassam feio. Não tem como a gente querer uma revolução se não temos assertividade e se as mulheres tem o “direito” de reforçarem machismo. Não é a primeira vez que vejo textos demonstrando que essa ou aquela prática é altamente prejudicial mas no final : “ah mas se as mulheres quiseram fazer,ok,não podemos obrigar nada ,temos que respeitar e reconhecer que nem todas tem condiçôes disso ou daquilo….” Então como é que fica?? Qual é a utilidade do feminismo se ele não está despertando revolta e coragem para que cada uma de nós encontre seu meio?
    Eu não vejo isso em nenhum outro movimento. Alias, nem teria existido quilombos se os escravos tivessem adotado esse tipo de pensamento.

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